Por que as pessoas nos interrompem e o que fazer a respeito?

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Ser interrompido nem sempre é má educação. Existem transtornos como o TDAH e problemas de memória de curto prazo que acarretam a situação.

Por que as pessoas nos interrompem e o que fazer a respeito?

Você está empolgado contando uma história pessoal, talvez sobre um encontro marcante ou um desafio superado no trabalho. No meio da frase, alguém se apressa em comentar algo sobre a própria experiência. Sem perceber, o foco da conversa muda, sua narrativa se perde, e você se vê em silêncio, ouvindo uma fala que sequer respondeu à sua. Essa cena, aparentemente banal, é mais comum e emocionalmente corrosiva do que se imagina.

Você já se sentiu invisível durante uma conversa? Já teve a sensação de que sua fala não importa tanto quanto a do outro? De que está sempre esperando sua vez, que nunca chega?

Esse tipo de situação não apenas frustra, ele mina o valor simbólico de ser ouvido. A escuta é um dos atos mais básicos de validação humana. Por isso, as interrupções em conversas carregam um peso emocional desproporcional à sua brevidade aparente.

Mais do que meros tropeços na comunicação, as interrupções constantes revelam padrões psicológicos profundos, e muitas vezes disfuncionais, que afetam nossos vínculos.


Por que as pessoas interrompem: 7 motivos psicológicos

Nem toda interrupção nasce da grosseria. Muitas vezes, o hábito de interromper está enraizado em padrões inconscientes de funcionamento psíquico, em estilos de comunicação internalizados desde a infância ou em condições clínicas específicas.

Abaixo, detalho sete causas frequentes que observo com regularidade em atendimentos clínicos.

1. Impulsividade ou entusiasmo

Algumas pessoas não conseguem conter a urgência de contribuir com a conversa, especialmente quando o assunto é estimulante. Em sessões, costumo ouvir frases como: “Eu nem percebi que cortei“. Isso pode estar relacionado a estilos cognitivos acelerados ou a um traço impulsivo, frequentemente presente em pessoas com Transtorno de déficit de atenção e hiperatividade (TDAH). Segundo Barkley (2010), a impulsividade verbal é um dos marcadores mais persistentes do TDAH em adultos.

Reflexão: Você sente que precisa se expressar imediatamente, ou esquecerá a ideia? Já pensou em anotar antes de falar?

2. Necessidade de controle ou dominância

Outra motivação comum para as interrupções constantes é o desejo inconsciente de manter o controle da conversa. Falar demais pode ser uma forma de conduzir a interação ao próprio ritmo, não ao ritmo do outro. Interromper, nesse contexto, reforça uma dinâmica de superioridade, mesmo que sutil. Em contextos corporativos, vejo isso com frequência em líderes com traços narcisistas: não interrompem para colaborar, mas para reorientar o foco sobre si.

Tabela 1 – Diferenças entre interrupção colaborativa e dominadora:

Tipo de InterrupçãoIntenção Percebida
ColaborativaContribuir ou validar a fala do outro
DominadoraControlar o rumo e o foco da conversa

3. Ansiedade social

Curiosamente, nem todo hábito de interromper é motivado por autoconfiança. Muitos pacientes relatam que interrompem por medo de não conseguirem falar depois, especialmente em ambientes com muitas vozes ou falas longas. Uma paciente me confidenciou: “Se eu espero, nunca consigo colocar minha ideia“. Esse comportamento costuma coexistir com pensamentos ansiosos, como o medo de parecer irrelevante ou ser deixado de lado.

Reflexão: Você acredita que só será ouvido se for o primeiro a falar?

     

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4. Falta de escuta ativa

Interromper também revela um vício relacional moderno: escutar apenas para preparar a resposta, não para acolher a fala alheia. Esse fenômeno, bem documentado por Rogers (1951), compromete a qualidade do vínculo. Ao interrompermos alguém, estamos dizendo mesmo que silenciosamente que o que o outro diz não é tão relevante quanto o que queremos dizer em seguida.

Reflexão: A escuta ativa não é passividade; é presença.

5. Modelos aprendidos

Em muitas famílias ou círculos profissionais, a interrupção é parte do ritmo comunicativo. Em um atendimento, um executivo disse: “Na minha casa, quem falava mais alto era quem tinha razão.“. Quando crescemos em contextos onde falar demais é sinônimo de poder, tendemos a replicar esse padrão. A boa notícia? Padrões aprendidos podem ser reaprendidos.

6. Desrespeito ou desvalorização

Infelizmente, algumas interrupções são reflexo de desprezo genuíno pela fala do outro. São frequentes em relações tóxicas, especialmente em vínculos marcados por assimetrias de poder, como chefes autoritários ou parceiros controladores. Nesses casos, o hábito de interromper funciona como silenciamento simbólico. E o efeito sobre a autoestima de quem sofre esse tipo de corte é devastador.

Reflexão: Você sente que sua fala precisa ser “autorizada” para ser validada?

7. Gênero, raça e poder

Estudos de Deborah Tannen (1990) e de Zimmerman & West (1975) demonstram que mulheres, pessoas negras e minorias são mais interrompidas do que homens brancos, especialmente em ambientes formais. Em uma análise conduzida por Hancock & Rubin (2015), observou-se que homens interrompem mulheres com o dobro de frequência do que interrompem outros homens. Essas disparidades não são apenas estatísticas: elas revelam um pano de fundo social de desvalorização sistêmica.


Como isso nos afeta?

O efeito acumulado desses cortes na fala alheia constrói um campo emocional de frustração, ressentimento e invisibilidade, que mina vínculos ao longo do tempo. Ouvir o outro até o fim é uma forma de respeito. Interrompê-lo, repetidamente, é uma forma de apagar sua presença.

Muitos pacientes me relatam uma sensação recorrente: “Sinto que não sou levado a sério“. Essa fala aparece especialmente em pessoas que cresceram em ambientes onde havia um comunicador dominante, o pai que falava por cima, a chefe que nunca deixava terminar a frase, o parceiro que cortava sempre que o assunto não lhe agradava.

As interrupções constantes produzem microagressões que se acumulam emocionalmente, gerando desde irritação pontual até sentimentos de desvalorização mais profundos.

Além da frustração pontual, há um efeito mais insidioso: a assimetria comunicacional. Quando uma pessoa fala demais e a outra é interrompida o tempo todo, estabelece-se uma hierarquia relacional.

Aquela que monopoliza a fala se coloca, mesmo que inconscientemente, num lugar de mais importância, saber ou urgência. Já quem é interrompido sistematicamente passa a se adaptar: encurta frases, fala mais baixo, evita opinar. Isso cria vínculos empobrecidos e desequilibrados.

Você já parou para contar quantas vezes consegue concluir uma frase numa reunião? Já percebeu se, em um grupo, sempre são as mesmas pessoas que conduzem o discurso? Esse padrão não é apenas uma questão de estilo. Ele fala sobre poder, escuta e pertencimento.

No campo da psicologia das relações interpessoais, a escuta ativa é considerada uma das bases da intimidade verdadeira (Harville Hendrix, 2001). Onde ela falta, a conexão se enfraquece.


O que fazer quando te interrompem?

Saber como reagir diante de interrupções em conversas é um diferencial em qualquer relação, seja em casa, no trabalho ou entre amigos. Não se trata de ser combativo, mas de cultivar uma postura assertiva, que valorize sua presença e proteja sua fala sem romper o vínculo com o outro.

A seguir, apresento seis estratégias eficazes que costumo ensinar a pacientes que relatam ser constantemente interrompidos:

1. Sinalize com gentileza, mas com firmeza

Uma das abordagens mais eficazes é nomear o que está acontecendo com calma e clareza. Dizer algo como: “Deixa eu só concluir essa ideia, e já te ouço.“. Essa frase não acusa, mas delimita. Ela valida sua fala e mostra disposição para ouvir. É um convite ao respeito mútuo. Em contextos de terapia de casal, essa técnica costuma destravar conversas travadas pelo hábito de interromper.

2. Estabeleça acordos prévios

Em equipes, grupos familiares ou casais, criar acordos de escuta consciente pode transformar a dinâmica. Uma proposta como: “Vamos tentar escutar até o fim, sem interrupções?” previne conflitos antes que eles ocorram. Em sessões de mediação, uso essa técnica com frequência, pois ela diminui a ansiedade coletiva e aumenta o nível de presença no grupo. Transacionalmente, essa é uma intervenção que mostra liderança e inteligência emocional.

3. Use linguagem corporal a seu favor

Nem toda intervenção precisa ser verbal. Muitas vezes, um gesto sutil, como levantar levemente a mão aberta, indica que você ainda está falando. Manter contato visual firme e pausas deliberadas também ajuda a recuperar o foco. Essa estratégia é especialmente útil em ambientes formais, como reuniões ou apresentações, onde a interrupção pode ser mais velada, porém recorrente.

Você utiliza seu corpo para reforçar sua autoridade comunicativa? Se não, talvez esteja subcomunicando sua presença.

4. Reduza sua própria ansiedade para não reagir com outra interrupção

Respire. Pause. Reflita. Quando somos interrompidos, o impulso imediato pode ser o de “cortar de volta“, gerando uma guerra de interrupções. Ensinar o paciente a não revidar, mas sim resgatar sua fala com tranquilidade, é essencial. Técnicas de regulação emocional, como respiração diafragmática ou grounding, podem ser aplicadas nesse momento.

5. Questione padrões com consciência

Quando um padrão se repete, é preciso trazer luz ao processo. Dizer: “Percebe que me interrompeu agora há pouco? Podemos conversar sobre isso?” gera um espaço de reflexão no outro. Em ambientes onde há confiança, isso aumenta a qualidade relacional e permite reconstruir acordos mais respeitosos. Em contextos de supervisão, esse tipo de intervenção tem grande valor didático.

6. Em casos persistentes ou abusivos: imponha limites

Se, apesar de todos os esforços, o outro segue desrespeitando sua fala, é hora de ser mais direto. Frases como: “Prefiro não continuar essa conversa se não houver espaço para escuta mútua.” colocam um limite claro e saudável. Aqui, o objetivo não é convencer, mas proteger-se. Em casos de relacionamentos tóxicos, essa atitude marca o início de uma nova postura frente ao ciclo de desvalorização.


E se você é quem costuma interromper?

Admitir que tem o hábito de interromper pode não ser fácil. Muitas pessoas se defendem dizendo: “Não faço por mal“, “É meu jeito“, “Só quero ajudar“. E isso pode até ser verdade, mas não isenta da responsabilidade. Interromper é, quase sempre, uma forma de comunicação ansiosa, autocentrada ou não elaborada emocionalmente.

A boa notícia é que esse comportamento pode ser transformado com treino, consciência e disposição para mudar.

Você já se perguntou por que sente tanta urgência em falar? O que acontece dentro de você quando o outro está falando?

Para muitos dos meus pacientes, a interrupção não nasce do desrespeito, mas do medo:

  • De esquecer o que ia dizer;
  • De parecer irrelevante;
  • De perder a chance de se posicionar.

Como terapeuta, costumo propor exercícios de rastreamento emocional: o que você sentiu segundos antes de cortar a fala de alguém?

Técnicas práticas para treinar a escuta ativa

  1. Espere 3 segundos antes de responder. Isso cria espaço mental e reduz a impulsividade;
  2. Anote o que deseja dizer. Em vez de interromper, registre sua ideia. Quando o outro terminar, você pode retomá-la com mais clareza;
  3. Repita mentalmente o que o outro disse. Isso ajuda a manter o foco na escuta, não na preparação da sua fala;
  4. Evite conversas multitarefa. Escutar exige presença. Tente conversar em ambientes sem distrações.

Treinos conscientes de presença

Alguns pacientes resistem à ideia de ensaiar conversas, mas a prática consciente é um recurso valioso. Proponho exercícios em duplas: um fala, o outro apenas escuta. Depois, invertem. Esse treino revela o quanto é difícil, mas transformador, ouvir sem pressa, sem julgamento, sem precisar ocupar o espaço o tempo todo. A prática da escuta ativa é, no fundo, uma forma de treino da humildade.

Você está disposto a perder o protagonismo para construir mais conexão? Essa é uma pergunta fundamental. Falar menos pode parecer perda de poder, mas na verdade é ganho de qualidade relacional.


Palavras finais

Interromper ou ser interrompido não é apenas um mau hábito, mas uma janela para dinâmicas emocionais mais profundas: insegurança, desejo de controle, ansiedade, impulsividade, falta de empatia ou padrões internalizados desde a infância.

Em outras palavras, a forma como escutamos e nos deixamos escutar revela a forma como nos relacionamos com o outro e conosco mesmos.

Aprender a lidar com interrupções constantes é um movimento de autorresponsabilidade. Para quem é interrompido, trata-se de afirmar o próprio espaço e comunicar limites com firmeza e respeito. Para quem interrompe, trata-se de conter a urgência de reagir e cultivar a presença de espírito necessária para escutar.

Escutar verdadeiramente é mais difícil do que falar. Mas é nesse esforço que a comunicação se transforma em vínculo.

Convido você, leitor(a), a observar seus padrões de fala e escuta nos próximos dias. Você fala demais? Interrompe sem perceber? Ou sente que nunca é ouvido até o fim? Seja qual for o seu lugar nesse ciclo, há caminhos possíveis para transformá-lo. A escuta ativa é uma prática, e como toda prática, exige intenção, disciplina e humildade.

Claro, Emilson. A seguir, apresento as referências utilizadas no artigo, formatadas conforme as normas da ABNT. Essas fontes embasam os conceitos discutidos sobre interrupções em conversas, escuta ativa e comunicação interpessoal.


Referências

  • BARKLEY, Russell A. Transtorno de Déficit de Atenção/Hiperatividade: guia completo para o diagnóstico e tratamento. 3. ed. Porto Alegre: Artmed, 2010.(books.scielo.org)
  • ROGERS, Carl R. Terapia centrada no cliente: sua prática atual, implicações e teoria. São Paulo: Martins Fontes, 1997.
  • TANNEN, Deborah. Você simplesmente não me entende: o difícil diálogo entre homens e mulheres. São Paulo: Rocco, 1995.(pt.wikipedia.org)
  • WEST, Candace; ZIMMERMAN, Don H. Sex roles, interruptions and silences in conversation. In: THORNE, Barrie; HENLEY, Nancy (Ed.). Language and sex: difference and dominance. Rowley, MA: Newbury House, 1975. p. 105–129.(emcawiki.net)
  • HANCOCK, Adrienne B.; RUBIN, Benjamin A. Influence of communication partner’s gender on language. Journal of Language and Social Psychology, v. 34, n. 1, p. 46–64, 2015.(web.stanford.edu)
  • HENDRIX, Harville. Casamento consciente: o guia para transformar seu relacionamento e sua vida. São Paulo: Rocco, 2001.(ebookmaker.ai)



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