Você já se perguntou se o transtorno afetivo bipolar é genético ou se ele passa de pai para filho? Essa é uma dúvida comum entre quem recebeu o diagnóstico, convive com alguém que vive com o transtorno ou busca informações confiáveis para entender o que está por trás das oscilações intensas de humor. E não é à toa: cerca de 60 a 85% da variabilidade do transtorno bipolar pode ser atribuída a fatores genéticos, segundo estudos com gêmeos e famílias (Craddock & Sklar, 2013, p. 165).
Neste artigo, você vai descobrir o que realmente significa dizer que a bipolaridade é hereditária e por que essa afirmação, muitas vezes repetida sem nuance, pode mais confundir do que informar. Vamos mergulhar nos achados científicos mais relevantes para esclarecer questões como:
- Existe gene da bipolaridade?
- Bipolaridade é influenciada pela genética ou pelo ambiente?
- Filhos de pais bipolares têm mais chance de desenvolver o transtorno?
Você sabia?
Mesmo com predisposição genética, o risco de desenvolver transtorno bipolar em gêmeos não é de 100%, o que revela o papel fundamental de fatores ambientais e epigenéticos.
Prepare-se para desconstruir mitos e entender, com sensibilidade e precisão, o que a ciência sabe hoje sobre os fatores genéticos da bipolaridade.
Genética e hereditariedade: são a mesma coisa?
Muita gente usa os termos genética e hereditariedade como se fossem sinônimos. Mas, na ciência, essa confusão pode custar caro. Embora estejam relacionados, eles se referem a processos diferentes e é essencial distingui-los para entender como a bipolaridade pode ser transmitida entre gerações.
- Genética é o estudo dos genes e de como características biológicas são codificadas e transmitidas no DNA. Ela investiga como determinadas variações genéticas aumentam a vulnerabilidade a doenças, incluindo transtornos mentais como o transtorno bipolar;
- Hereditariedade refere-se à transmissão dessas características dos pais para os filhos, ou seja, ao que efetivamente é passado adiante na linhagem familiar.
Dizer que a bipolaridade é hereditária significa que ela pode ocorrer em famílias, mas isso não quer dizer que o transtorno será obrigatoriamente herdado. Da mesma forma, afirmar que a bipolaridade é genética indica que há uma base biológica identificável, mas não fixa nem isolada em um único gene.
Você sabia?
A genética da bipolaridade é poligênica, ou seja, envolve a interação de diversos genes, e não um gene da bipolaridade. Isso significa que não se herda o transtorno diretamente, mas sim uma predisposição genética.
Portanto, quando nos perguntamos: bipolaridade tem causa genética?, ou bipolaridade passa de pai para filho?, a resposta mais precisa é: depende. Há influência hereditária, mas também uma complexa dança entre genes, ambiente e história de vida.
No próximo ponto, vamos explorar o que, de fato, a ciência já descobriu sobre a origem genética do transtorno bipolar.
O que a ciência já sabe sobre a origem genética da bipolaridade
As pesquisas mais recentes apontam: há, sim, uma base genética significativa associada ao transtorno bipolar. Estudos com famílias, gêmeos e análises genômicas vêm confirmando que a bipolaridade é influenciada pela genética, mas de forma complexa e multifatorial.
Um dos achados mais consistentes vem de estudos com gêmeos idênticos (que compartilham 100% do material genético). Quando um dos gêmeos tem transtorno bipolar, o outro tem entre 40% e 70% de chance de também desenvolver a condição, enquanto essa chance cai para cerca de 10% a 20% em gêmeos fraternos (non-idênticos) (Smoller & Finn, 2003, p. 610).
Além disso, pesquisas em larga escala identificaram centenas de variantes genéticas associadas à bipolaridade, cada uma contribuindo com uma pequena parcela de risco. Isso fortalece a hipótese de que a bipolaridade é uma condição hereditária complexa, influenciada por múltiplos genes e suas interações com o ambiente.
Mas atenção: apesar da presença de um forte componente genético, não há garantia de que uma pessoa desenvolverá o transtorno mesmo com histórico familiar de bipolaridade. Aqui, o conceito de predisposição genética é fundamental: há risco de herdar o transtorno bipolar, mas não certeza.
Você sabia?
Cerca de 15% a 30% dos pacientes com transtorno bipolar relatam ter histórico familiar de bipolaridade em parentes de primeiro grau. Mas isso também significa que a maioria dos casos não surge em famílias com diagnóstico conhecido.
No próximo ponto, vamos entrar em um dos maiores equívocos sobre o tema: afinal, existe um gene bipolar?
Sabia que você pode agendar sua consulta com apenas um clique?
Existe um gene bipolar?
Não, não existe um gene da bipolaridade, e essa é uma das primeiras ideias que precisamos abandonar. A crença de que há um único gene responsável pelo transtorno bipolar é simplista e enganosa. A ciência mostra que a bipolaridade é genética, sim, mas envolve uma arquitetura poligênica, ou seja, a contribuição de centenas (ou até milhares) de variantes genéticas.
Cada uma dessas variantes isoladamente tem efeito pequeno, mas, em conjunto, aumentam a probabilidade de desenvolver o transtorno. Estudos de associação genômica ampla (GWAS) já identificaram genes relacionados à regulação do humor, neurotransmissores e plasticidade sináptica, como CACNA1C, ANK3 e NCAN, todos ligados à função neuronal.
Além disso, o campo da epigenética trouxe uma nova camada de complexidade. A epigenética investiga como fatores ambientais podem “ligar ou desligar” genes ao longo da vida, sem alterar a sequência do DNA.
Isso significa que a predisposição genética pode ou não se manifestar, dependendo de fatores como estresse, traumas ou uso de substâncias.
Você sabia?
Mesmo entre familiares de primeiro grau, filhos de pais bipolares têm mais chance, mas muitos não desenvolverão o transtorno ao longo da vida. Isso reforça que ter genes associados à bipolaridade não é uma sentença, mas um risco aumentado, não um destino certo.
Portanto, quando ouvimos que a bipolaridade é uma condição hereditária, precisamos entender que essa hereditariedade é modulada por variáveis muito mais sutis e dinâmicas do que um simples “sim ou não”.
E falando em risco aumentado… No próximo ponto, vamos abordar o que dizem as estatísticas sobre a chance real de herdar o transtorno bipolar.
Qual o risco de herdar a bipolaridade?
A pergunta que assusta muitas famílias é direta: filhos de pais bipolares têm mais chance? A resposta é sim, há um risco aumentado, mas não é absoluto. Estudos apontam que o risco de desenvolver transtorno bipolar em filhos de um dos pais com o transtorno varia entre 10% e 25%, enquanto o risco para a população geral está entre 1% e 2% (Goodwin & Jamison, 2007, p. 187).
Se ambos os pais são diagnosticados, esse risco pode ultrapassar 50%. Mas, ainda assim, metade dos filhos desses casais não irá manifestar o transtorno. Isso evidencia que a bipolaridade tem influência hereditária, mas não é exclusivamente determinada pela herança genética.
Além do grau de parentesco, a combinação entre fatores genéticos da bipolaridade e experiências de vida molda o desfecho. Isso é importante para combater o fatalismo: ter histórico familiar de bipolaridade não significa estar condenado a desenvolvê-la.
Leia também
Você sabia?
O transtorno bipolar hereditário se manifesta com mais frequência em familiares de primeiro grau, como pais, irmãos e filhos, mas pode saltar gerações, aparecendo em netos, sobrinhos ou primos, o que exige rastreamento cuidadoso.
Mas será que é o ambiente que “liga” essa predisposição? Ou ela se expressaria de qualquer forma? É exatamente isso que veremos a seguir: como os fatores ambientais interagem com a genética.
Influência do ambiente vs. predisposição genética
Mesmo quando a genética pesa, ela nunca atua sozinha. A ciência já demonstrou que os genes “carregam a arma”, mas o ambiente pode puxar o gatilho. Isso quer dizer que a bipolaridade é influenciada pela genética, mas só se manifesta (ou se agrava) a depender de contextos de vida específicos.
Estressores como traumas, abusos, perdas precoces, privação de sono ou uso de substâncias psicoativas podem interagir com a predisposição genética para bipolaridade, ativando circuitos neuroquímicos ligados ao humor. É o que chamamos de modelo multifatorial, no qual natureza (genes) e nutrição (ambiente) atuam conjuntamente.
Essa interação é tão relevante que mesmo pessoas com alto risco genético podem nunca desenvolver sintomas se tiverem suporte emocional, vínculos seguros e estratégias eficazes de regulação emocional.
Por outro lado, indivíduos sem histórico familiar podem apresentar sintomas em contextos ambientais altamente desafiadores.
Você sabia?
Eventos traumáticos modificam a expressão dos genes relacionados ao estresse, influenciando diretamente o início dos episódios de mania ou depressão em pessoas geneticamente predispostas.
Portanto, quando nos perguntamos se a bipolaridade passa de pai para filho, devemos considerar o contexto em que esse filho se desenvolve. A herança genética é apenas uma parte da equação, a outra está nas experiências de vida, vínculos e possibilidades de cuidado.
Mas o que isso significa na prática clínica, quando identificamos padrões familiares?
Na próxima seção, exploraremos os casos familiares observados em consultório e o que vale a pena observar com atenção.
Casos familiares: o que observar na prática clínica?
Em consultório, é comum que pacientes com transtorno bipolar relatem casos semelhantes na família, às vezes identificados, outras vezes não nomeados. Quando começamos a investigar mais profundamente, percebemos que a bipolaridade na família nem sempre aparece com o mesmo diagnóstico.
Ela pode se manifestar por meio de episódios depressivos recorrentes, uso de substâncias, instabilidade afetiva ou impulsividade marcante.
Como terapeuta, aprendi a reconhecer padrões emocionais familiares que indicam risco. Em uma experiência clínica, atendi uma jovem diagnosticada com transtorno bipolar tipo I. Após algumas sessões, ela mencionou que sua mãe alternava entre fases de euforia intensa e longos períodos de reclusão, embora nunca tenha sido formalmente diagnosticada. Esses indícios são valiosos para pensar a hereditariedade e o transtorno bipolar com mais clareza.
Além disso, avaliar o histórico familiar ajuda a traçar planos de prevenção e manejo mais eficazes. Isso inclui educação psicoafetiva para familiares, rastreamento precoce em irmãos ou filhos, e construção de redes de apoio mais informadas e empáticas.
Você sabia?
A presença de transtorno bipolar hereditário em familiares de primeiro grau aumenta significativamente a chance de diagnóstico na juventude. Por isso, identificar sinais precoces em ambientes familiares é determinante para intervenções preventivas.
Portanto, quando identificamos histórico familiar de bipolaridade, é essencial não apenas olhar para os sintomas, mas compreender as histórias, os silêncios e os modos de expressão emocional transmitidos entre gerações.
Mas… e quando não há nenhum caso familiar? Será que mesmo assim é possível desenvolver o transtorno? É isso que vamos entender na próxima seção.
Posso desenvolver bipolaridade mesmo sem histórico familiar?
Sim, é totalmente possível desenvolver transtorno bipolar mesmo sem nenhum caso anterior na família. Embora a bipolaridade tenha influência hereditária, nem todos os casos têm origem genética identificável. Estima-se que entre 20% e 40% dos indivíduos diagnosticados não relatam histórico familiar direto de transtorno bipolar (Merikangas et al., 2007, p. 546).
Esse dado reforça um ponto crucial: genética não é destino. O surgimento do transtorno está relacionado a outros fatores como traumas na infância, privação crônica de sono, consumo de substâncias psicoativas ou situações de estresse extremo.
Mesmo pessoas sem qualquer predisposição genética aparente podem desenvolver o transtorno em resposta a condições ambientais específicas.
Na clínica, já acompanhei pacientes profundamente angustiados ao saber que não havia ninguém na família com diagnóstico semelhante. Em vez de alívio, isso gerava culpa, como se o transtorno fosse uma falha individual.
Por isso é essencial desmistificar a ideia de que só herda quem tem histórico. A ausência de casos na família não exclui a possibilidade da doença nem minimiza o sofrimento de quem a vivencia.
Você sabia?
Em alguns casos, a bipolaridade é a primeira manifestação visível de uma vulnerabilidade genética silenciosa. Ou seja, os genes podem ter sido herdados, mas nunca se expressaram clinicamente em gerações anteriores.
Portanto, ao nos perguntarmos se existe predisposição genética para bipolaridade, devemos lembrar que, mesmo sem essa predisposição clara, a condição pode surgir, e merece ser tratada com o mesmo acolhimento, sem comparações ou suposições.
Mas e quando sabemos que há uma predisposição genética? Como lidar com essa informação sem cair no medo ou na autoculpa? É o que veremos a seguir, numa das seções mais delicadas deste texto.
Implicações éticas e emocionais de saber que é genético
Descobrir que a bipolaridade tem causa genética pode ser um alívio, mas também um fardo. Para muitas pessoas, essa informação ajuda a compreender que não estão inventando sintomas ou falhando emocionalmente. Por outro lado, saber que há risco de herdar transtorno bipolar pode gerar medo, culpa e até paralisia.
Pais diagnosticados, por exemplo, frequentemente se perguntam se transmitiram algo ruim aos filhos. Essa angústia é legítima, mas precisa ser reformulada. Transmitir uma predisposição não é o mesmo que causar o transtorno. Somos muito mais do que nossos genes. O que importa é o cuidado que oferecemos, os vínculos que estabelecemos e a forma como lidamos com a própria história.
Do ponto de vista ético, o acesso a informações genéticas exige responsabilidade. Não é incomum que pessoas sem diagnóstico utilizem esses dados para prever o futuro emocional de seus filhos ou familiares.
Mas os testes genéticos disponíveis ainda não têm poder preditivo confiável para transtornos como a bipolaridade. É preciso cautela para que a informação não se transforme em estigma, rótulo ou destino imutável.
Você sabia?
A American Psychiatric Association (APA) recomenda que informações sobre histórico familiar de transtornos mentais sejam sempre discutidas com acompanhamento clínico qualificado, justamente para evitar interpretações distorcidas ou simplistas.
Portanto, ao nos perguntarmos se bipolaridade é uma condição hereditária, também precisamos refletir: o que fazemos com essa informação? Podemos usá-la para promover mais cuidado, empatia e prevenção ou, infelizmente, para reforçar medo, controle e preconceito.
Chegamos ao ponto-chave: se genética não é destino, qual é, afinal, o papel da herança na nossa saúde mental? É isso que sintetizaremos na conclusão.
Claro! Aqui está uma seção de Perguntas e Respostas com 10 questões relevantes, escritas de forma acessível e informativa, em sintonia com o tom humano e técnico do artigo:
Perguntas frequentes
- A bipolaridade é genética?
Sim. Diversos estudos indicam que fatores genéticos têm influência significativa no desenvolvimento do transtorno bipolar, embora não sejam os únicos envolvidos. - A bipolaridade é hereditária?
Sim. O transtorno pode ocorrer em várias pessoas de uma mesma família, o que mostra sua hereditariedade. Mas ter familiares com o transtorno não garante que você o desenvolverá. - Existe um gene específico da bipolaridade?
Não. A bipolaridade não é causada por um único gene, mas por uma combinação de vários genes que, juntos, aumentam a predisposição. - Filhos de pais bipolares têm mais chance de ter o transtorno?
Sim. Se um dos pais tem o transtorno, o risco do filho desenvolver também aumenta, podendo chegar a 25%. Se ambos os pais têm, o risco é ainda maior. - É possível desenvolver bipolaridade sem histórico familiar?
Sim. Cerca de 20 a 40% dos casos ocorrem sem relatos de transtornos semelhantes na família. Fatores ambientais também desempenham um papel importante. - A bipolaridade pode pular gerações?
Sim. Como a herança é poligênica e complexa, o transtorno pode não aparecer em uma geração e se manifestar em outra. - O ambiente pode ativar a bipolaridade?
Sim. Estresse crônico, traumas, uso de substâncias e privação de sono, por exemplo, podem influenciar a expressão de genes predisponentes. - Fazer testes genéticos pode prever a bipolaridade?
Ainda não com precisão. Os testes genéticos disponíveis não são capazes de prever com segurança quem desenvolverá o transtorno. - Saber que é genético muda o tratamento?
Não necessariamente, mas pode ajudar na psicoeducação, no planejamento familiar e na redução do estigma. - Vale a pena investigar o histórico familiar na terapia?
Sim. Conhecer padrões emocionais e comportamentais familiares pode trazer insights valiosos e orientar intervenções mais eficazes.
Conclusão: genética importa, mas não determina
Afinal, a bipolaridade é genética? Sim. É hereditária? Também. Mas nenhum desses fatores, isoladamente, é capaz de definir quem você é ou será. Ao longo deste texto, vimos que a origem genética do transtorno bipolar é real, mas não absoluta. A presença de variantes genéticas aumenta o risco, mas a ativação ou não desses genes depende de inúmeros outros fatores.
Ter histórico familiar de bipolaridade não é uma sentença. É um dado que pode (e deve) ser acolhido com consciência, não com pânico. Saber que há risco de herdar transtorno bipolar serve como convite à prevenção, à busca por suporte qualificado e à construção de ambientes emocionalmente seguros e regulados.
Entender que bipolaridade é influenciada pela genética é também um caminho de empatia. Permite olharmos para quem convive com o transtorno e para nós mesmos, com menos julgamento e mais curiosidade. A ciência nos ajuda a desmistificar, mas é a escuta clínica e o vínculo terapêutico que sustentam o cuidado.
Se você tem histórico familiar, sintomas flutuantes ou está apenas tentando compreender esse universo mais de perto, lembre-se: buscar tratamento, aprofundar o autoconhecimento e receber suporte profissional fazem toda a diferença. Investir em saúde mental não muda os genes, mas muda vidas.
Referências
- CRADDOCK, N.; SKLAR, P. Genetics of bipolar disorder: successful start to a long journey. Trends in Genetics, v. 29, n. 3, p. 165–172, 2013.
- GOODWIN, F. K.; JAMISON, K. R. Manic-depressive illness: bipolar disorders and recurrent depression. 2. ed. Oxford: Oxford University Press, 2007.
- MERIKANGAS, K. R. et al. Lifetime and 12-Month Prevalence of Bipolar Spectrum Disorder in the National Comorbidity Survey Replication. Archives of General Psychiatry, v. 64, n. 5, p. 543–552, 2007.
- SMOLLER, J. W.; FINN, C. T. Family, twin, and adoption studies of bipolar disorder. American Journal of Medical Genetics Part C: Seminars in Medical Genetics, v. 123C, n. 1, p. 48–58, 2003.
Deixe um comentário