Sim, dor alheia virou vitrine para psicólogo caça-paciente. Quando alguém desabafa online, pipocam DMs “posso ajudar?” como se sofrimento fosse prateleira de supermercado emocional. Isso não é acolhimento, é panfletagem clínica com jaleco.
E por que afirmo isso sem piscar? Porque há um roteiro repetido: vulnerabilidade vira “lead quente”, empatia vira CTA, e o setting psicoterapêutico é trocado por um inbox apressado.
É invasivo, mercantiliza a dor e joga a credibilidade da Psicologia na lama do marketing agressivo.
Por que ler até o fim:
- Identificar quando cuidado é, na real, prospecção.
- Saber como responder, bloquear e denunciar sem culpa.
- Entender como esse comportamento destrói setting, timing e confiança.
- Ver, ponto a ponto, onde a prática fere princípios éticos.
- Ter munição (técnica e sarcástica) para debates e orientações.
1. Assédio terapêutico disfarçado de acolhimento
É assédio terapêutico quando o psicólogo aborda alguém que não pediu ajuda após postar sua dor? Sim. Invadir o inbox de quem está vulnerável, oferecendo serviço não solicitado, é meter o pé na porta emocional.
Por que isso é assédio? Porque existe fragilidade explícita, desequilíbrio de poder e zero consentimento. O título “psicólogo” pesa: usado como aríete comercial, vira coerção sutil (“se eu negar, tô recusando ajuda?“).
É marketing de emboscada com roupagem de empatia, transformando a crise do outro em gatilho de faturamento.
Sinais de assédio fantasiado de cuidado:
Frase do psicólogo | O que comunica |
---|---|
“Vi seu post, posso te ajudar“ | “Tão usando minha dor pra vender“ |
“Me chama no direct, tenho agenda“ | “Meu funil precisa de você“ |
“Procurei você por empatia“ | “Quero fechar pacote“ |
Comentários genéricos em massa (“Força! Me chama inbox“) também são iscas. O alvo é quem morde pela culpa ou pela carência.
Abordar sem ser chamado atropela consentimento, privacidade e autonomia, reduzindo o sujeito a prospecção.
Resultado: a reputação da categoria indo pro ralo. E se transformar dor em “lead” já é feio, espera ver quando essa dor vira funil de vendas inteiro: métricas, metas e scripts de telemarketing emocional.
2. Sofrimento como funil de vendas
Transformar sofrimento em funil de vendas é ético? Não. É uma distorção do cuidado e um abuso da vulnerabilidade alheia.
Quando o psicólogo mapeia crises como oportunidades e trata comentários tristes como “topo de funil”, ele troca a bússola ética por um CRM.
A pessoa não vira sujeito; vira lead. A escuta some, entra o script. Resultado: a dor do outro vira degrau para bater meta mensal. Isso corrói confiança pública e banaliza o sofrimento.
Lead quente significa alguém em crise, pronto para comprar sem pensar. Nutrição de lead vira spam emocional: mensagens motivacionais até a pessoa ceder. Call to action travestido de conselho: “me chama no direct agora“.
Por que isso é tão grave? Porque o estado emocional frágil diminui o senso crítico e aumenta a chance de aceitação automática.
Além disso, o funil separa perfil ideal de gente real, descartando quem “não fecha”. É desumano, mecanizado e contradiz a ideia básica de clínica: acolher singularidades. Não métricas, não scripts, sim relação humana, sempre.
3. Violação simbólica de privacidade pública
Postar dor em rede social dá licença para psicólogo oferecer serviço? Não. Público não é sinônimo de disponível para prospecção.
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A pessoa expôs um pedaço da vida, não abriu uma gôndola de supermercado emocional. Abordar sem convite é entrar num velório alheio distribuindo cartão de visita.
Quando o psicólogo age como vendedor ambulante de psicoterapia, ele cruza uma fronteira invisível, a do senso comum de privacidade. A vítima sente invasão, culpa e constrangimento: “Se recusar ajuda, sou ingrato?“.
Esse peso simbólico é o que fere, mesmo sem quebrar nenhum cadeado digital.
O que o psicólogo faz x o que a pessoa entende:
Ação do psicólogo | Como a pessoa lê |
---|---|
“Comentei empaticamente e deixei meu link“ | “Tão usando minha dor pra vender“ |
“Mandei DM só pra oferecer ajuda“ | “Invadiram meu espaço sem pedir“ |
“Peguei seu post e usei como exemplo“ | “Exibiram meu sofrimento como vitrine“ |
Observe o padrão repetido: mensagem automática, script de funil, culpa embalada como cuidado. Some isso a relatos de usuários que dizem se sentir vasculhados e você verá que não é frescura, é percepção social clara.
Além disso, o ambiente digital já é barulhento; inserir propaganda emocional só piora.
4. Desfiguração do setting e do timing clínico
Invadir o inbox no calor do desabafo destrói setting e timing clínico? Sim. Setting não é só cadeira e relógio; é o acordo explícito de quando, como e por quê começamos.
Quando o psicólogo aparece abruptamente, ele quebra a moldura antes da pintura existir. O timing é cirúrgico, não oportunista: se eu entro na hora errada, viro ruído, não continente.
Resultado: vínculo frágil, processo capenga, terapia já nasce manca.
Por que isso é tão grave? Porque setting e timing são os freios que impedem a terapia de virar palanque. Sem enquadre, a pessoa não sabe o que pode falar, como, nem quanto custa emocionalmente.
Ruptura x efeito imediato:
Ruptura cometida | Efeito imediato |
---|---|
Abordagem surpresa via DM | Sentimento de invasão e desconfiança |
Oferecer sessão antes de avaliação | Medo de ser só “mais um paciente“ |
Pressa para marcar horário “agora” | Culpa e urgência artificial |
Quando o primeiro contato é invasivo, o resto costuma ser remendo. Se o setting caiu, a confiança vai junto; se o timing falhou, o conteúdo nasce truncado.
Isso não é preciosismo técnico; é engenharia emocional básica, sem a qual todo atendimento vira gambiarra e risco de retraumatização. E gambiarra clínica cobra caro depois: abandono, queixas sérias, boatos corroendo sua reputação em grupos e fóruns.
5. Tiro no pé da credibilidade da Psicologia
Essa prática dá um tiro no pé da credibilidade da Psicologia? Claro. Cada DM oportunista é um prego no caixão da confiança pública.
Em vez de cuidado profissional, o público enxerga “vendedor de cursinho emocional”. O efeito dominó é simples: um psicólogo caça-paciente vira manchete negativa, todos os outros pagam a conta em desconfiança.
Profissão que vive de confiança não deve brincar de telemarketing com sofrimento. Quando a categoria aceita (ou silencia) esse comportamento, passa recibo de conivência.
A imagem coletiva vira meme: “psicólogo só quer meu dinheiro“. Isso afasta gente que realmente precisa de ajuda, alimenta charlatões que prometem cura em 3 sessões e ainda empurra o debate sério sobre saúde mental para o cantinho do “coach de Instagram”.
Dano à imagem x consequência prática:
Dano | Consequência |
---|---|
Percepção de psicólogo vendedor | Menos procura espontânea por terapia |
Desconfiança sobre intenções clínicas | Aumento de queixas e desistências precoce |
Meme e piada sobre “terapia por DM” | Rebaixamento do valor percebido da profissão |
Some relatos de usuários envergonhados, críticas em fóruns e reclamações no CRP: padrão claro de desgaste. Analisei o ruído repetido: “me abordaram sem eu pedir“, “parecia propaganda“. Cruza isso com a lógica básica de reputação coletiva e pronto: tiro no pé confirmado.
6. Violações éticas por seção
6.1. Assédio terapêutico disfarçado de acolhimento:
- Princípio I: respeito à liberdade e dignidade humanas.
- Princípio VI: exercício com dignidade; rejeitar situações que aviltem a Psicologia.
- Art. 2º, inciso i: proibido induzir qualquer pessoa a recorrer aos seus serviços.
- Art. 2º, alínea a: vedada exploração e opressão – usar dor como isca é exploração.
6.2. Sofrimento como funil de vendas:
- Princípio I (mesmo fundamento de dignidade e liberdade).
- Princípio VI (dignidade do exercício).
- Art. 2º, inciso i (indução à procura).
- Art. 2º, alínea o: pleitear vantagens além dos honorários combinados.
- Art. 20, alínea h: vedada divulgação sensacionalista.
6.3. Violação simbólica de “privacidade pública”:
- Princípio I (respeito à dignidade e integridade).
- Art. 9º: dever de proteger a intimidade por meio da confidencialidade.
- Art. 2º, inciso q: não expor pessoas ao divulgar procedimentos/resultados em meios de comunicação.
6.4. Desfiguração do setting e do timing clínico:
- Art. 1º, alínea e: acordos de prestação de serviços devem respeitar direitos do usuário.
- Art. 2º, inciso j: é vedado estabelecer relação que interfira negativamente nos objetivos do serviço.
6.5. Tiro no pé da credibilidade da Psicologia:
- Princípio VI: zelar pela dignidade do exercício profissional; rejeitar aviltamento.
- Art. 20, alínea h: proibição de divulgação sensacionalista.
Perguntas frequentes
- É assédio quando um psicólogo me chama no direct sem eu pedir?
Sim. Você desabafou, não abriu vaga de emprego pra psicoterapeuta. É invasão emocional com crachá profissional. - “Mas seu post é público!” Justifica a abordagem?
Público não é disponível. Sua dor estar visível não precisa virar cupons de desconto. - Como responder a um psicólogo que veio vender sessão?
Um “não, obrigado” resolve. Se insistir, print, bloqueio e denúncia. Não é grosseria, é autocuidado. - Devo denunciar ao CRP?
Se quiser, pode. Eles existem pra isso. Quanto mais casos forem formalizados, menos caça-paciente se sente impune. - Como diferenciar empatia de prospecção?
Empatia acolhe sem cobrar. Prospecção tem link, agenda e pressa. Se tem CTA, não é carinho, é conversão. - Posso expor o psicólogo nas redes?
Pode, mas pense no efeito bumerangue. Às vezes denunciar oficialmente é mais eficaz que um exposed no feed. - Isso me fará sentir culpado por rejeitar ajuda?
Talvez, e é parte do jogo. “Se você negar, está se negando a melhorar“. Cuidado: chantagem emocional com jaleco. - Aceitei a sessão e me arrependi. E agora?
Pare. Você pode desistir a qualquer momento. Procure alguém que você escolha, não quem te laçou. - Existe jeito ético de um psicólogo interagir com meu post?
Sim: comentar algo genérico de apoio sem empurrar serviço, ou simplesmente… não comentar nada. - É errado desabafar na internet?
Não. Errado é quem usa seu desabafo como vitrine. Você tem direito de falar e também de não ser caçado por isso. - “Lead quente” tem a ver comigo?
Infelizmente, sim. É como alguns profissionais chamam quem está vulnerável e pronto pra comprar sem pensar. - Bloquear é exagero?
Não. Bloquear é higiene digital. Se alguém invade, você fecha a porta. Simples assim. - E se o psicólogo disser que estava “apenas tentando ajudar“?
Ajudar sem permissão é intromissão. Ajuda começa com pergunta: “Posso?“, e com respeito à resposta. - Posso pedir que tirem meu post usado como exemplo em aula/live?
Pode e deve. Seu sofrimento não é slide de PowerPoint. Consentimento existe por um motivo. - Como psicólogos podem divulgar sem assediar?
Criando conteúdo útil, claro, e esperando quem precisa chegar por vontade própria. Marketing ético existe, juro.
Palavras finais
Se você leu até aqui, já entendeu: abordar quem desabafa para vender psicoterapia é feio, antiético e pequeno. Não é cuidado, é caça. Não é acolhimento, é assédio com crachá.
A rede social não é feira livre de sofrimento onde cada lágrima vale um lead. E psicólogo que acha isso normal precisa urgentemente rever propósito, e talvez procurar psicoterapia (ética) também.
Resultado? Gente desconfiada, processos nascendo tortos e a imagem pública da Psicologia jogada no lixo do marketing agressivo. Não dá pra defender saúde mental com tática de telemarketing emocional.
E agora, o que fazer?
- Se você é leigo: bloqueie sem dó, denuncie se quiser, escolha seu psicólogo com calma;
- Se você é psicólogo: pare, respire e reflita. Estude marketing ético, fortaleça sua autoridade com conteúdo útil e espere o paciente chegar pelo motivo certo.
- Se você é conselho/profissão: fiscalize, oriente, puna se necessário. A casa tem dono, e responsabilidade.
Fechando: este artigo não é só bronca; é convite. Convite para uma prática que honre a confiança das pessoas, que não transforme fragilidade em vitrine e que entenda: ética não é detalhe burocrático, é o alicerce do nosso trabalho.
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