Muitas pessoas já experimentaram aquele frio na barriga antes de uma situação importante ou notaram as mãos trêmulas e suadas ao enfrentar um desafio repentino. Essas reações fazem parte da experiência humana e, em muitas circunstâncias, são considerados sinais de que o corpo e a mente estão em estado de alerta.
Ao mesmo tempo, ouve-se com frequência que vivemos na “era da ansiedade” e que a ansiedade pode ser um transtorno mental. Afinal, como diferenciar a ansiedade esperada e saudável daquela ansiedade que sinaliza um transtorno?
O que define um transtorno mental?
Para distinguir se algo como a ansiedade deve ser considerado uma doença ou não, é importante primeiro entender o que caracteriza um transtorno mental. De forma geral, um transtorno mental ocorre quando uma alteração nos pensamentos, emoções ou comportamentos de uma pessoa causa sofrimento significativo ou prejuízo na sua vida diária, indo além do que seria esperado em uma situação comum.
Em outras palavras, se uma emoção ou reação normal (como ansiedade, tristeza ou medo) passa a ser intensa a ponto de atrapalhar o bem-estar e o funcionamento no trabalho, nos estudos, nos relacionamentos e em outras áreas importantes, então ela pode se encaixar na definição de um transtorno mental.
Porém, nem toda reação negativa ou incômodo emocional deve ser rotulado de transtorno. É normal e saudável sentir uma gama de emoções, incluindo ansiedade em momentos difíceis. Por exemplo, ficar nervoso antes de uma entrevista de emprego ou sentir-se triste após uma perda são respostas esperadas às circunstâncias da vida, não necessariamente sinais de doença.
Um critério essencial para classificar um transtorno mental é a persistência e a intensidade: no caso da ansiedade, se os sintomas ocorrem em momentos inadequados, com frequência elevada ou duração prolongada e dificultam a rotina normal da pessoa, aí sim consideramos que se trata de um problema a ser tratado.
Também é importante lembrar que diagnósticos formais seguem critérios médicos padronizados (como os do DSM ou da CID) e devem ser realizados por profissionais capacitados.
O diagnóstico existe para ajudar a pessoa a obter o tratamento correto, nunca para rotular ou julgar. Ou seja, chamar algo de “transtorno mental” serve para reconhecer um desequilíbrio real que merece cuidado, mas não invalida quem a pessoa é. Com isso em mente, podemos olhar para a ansiedade e entender em que condições ela é parte da normalidade e em que condições passa a ser considerada um transtorno de ansiedade.
Quando a ansiedade é um transtorno mental?
Então, quando a ansiedade deixa de ser normal e passa a ser considerada um transtorno? Basicamente, isso ocorre quando os sintomas ansiosos ficam excessivos, duradouros e fora de controle, a ponto de prejudicar a vida da pessoa.
Nesses casos, dizemos que ela sofre de um transtorno de ansiedade. Em geral, para se fechar um diagnóstico desse tipo, a ansiedade precisa estar presente na maior parte dos dias por vários meses e ser desproporcional ao perigo real – não é apenas aquele nervosismo pontual, mas sim um padrão persistente de medo e preocupação intensa.
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Vale ressaltar que os transtornos de ansiedade estão entre os problemas de saúde mental mais comuns na atualidade. Segundo a Organização Mundial da Saúde, em 2019 o Brasil é o país com o maior número de pessoas ansiosas no mundo: cerca de 18,6 milhões de brasileiros (9,3% da população) conviviam com algum transtorno de ansiedade.
Isso mostra como a ansiedade patológica é frequente – e por isso mesmo é tão importante entendermos melhor o assunto.
Tipos de transtornos de ansiedade mais comuns
Os transtornos de ansiedade englobam diferentes condições relacionadas, cada uma com suas particularidades. Conheça alguns dos tipos mais comuns de transtornos de ansiedade:
- Transtorno de Ansiedade Generalizada (TAG)
Caracterizado por uma preocupação excessiva e persistente com diversas coisas do cotidiano (como trabalho, saúde, família), mesmo quando não há um motivo claro para tanta apreensão. - Transtorno do pânico
É marcado por crises súbitas de pânico – ondas intensas de medo e desespero que surgem abruptamente, acompanhadas de sintomas físicos intensos. Durante um ataque de pânico, o coração dispara, falta o ar, ocorrem tremores, sudorese, tontura, enjoo e sensação de descontrole ou de morte iminente. - Fobias específicas
São medos intensos e irracionais de objetos ou situações particulares. Por exemplo, fobia de altura, de voar de avião, de aranhas ou de tomar injeção. A pessoa fóbica geralmente reconhece que seu medo é exagerado, mas não consegue controlá-lo e evita a qualquer custo o objeto ou contexto temido para não sentir ansiedade extrema. - Transtorno de ansiedade social (fobia social)
Há um pavor de ser julgado, criticado ou humilhado em público. Atividades como falar em uma reunião, comer em público ou conhecer pessoas novas podem provocar ansiedade intensa. - Ansiedade de separação
Caracteriza-se por um medo excessivo de ficar longe de pessoas importantes, geralmente os pais ou cônjuge. A criança com ansiedade de separação, por exemplo, tem pavor de que algo ruim aconteça aos pais quando ela não está por perto, ou sente um desespero enorme quando precisa ficar sozinha ou longe de casa.
Além desses, existem outras condições relacionadas à ansiedade, como o mutismo seletivo – em que crianças ficam incapazes de falar em certos ambientes devido à ansiedade – e quadros de ansiedade secundária ao uso de substâncias ou a problemas médicos.
Transtornos como o transtorno obsessivo-compulsivo (TOC) e o transtorno de estresse pós-traumático (TEPT) também envolvem ansiedade intensa, embora hoje sejam categorizados separadamente devido às suas particularidades.
Como a ansiedade afeta o corpo e a mente
Quando alguém está ansioso, todo o corpo entra em ação. A ansiedade ativa uma resposta fisiológica de “luta ou fuga”, como se o organismo estivesse se preparando para enfrentar um perigo.
Hormônios do estresse, como a adrenalina, são liberados na corrente sanguínea, o que causa diversas reações físicas:
- Coração acelerado;
- Respiração rápida ou ofegante;
- Sudorese excessiva;
- Tremores;
- Sensação de frio na barriga;
- Tontura ou vertigens;
- Tensão ou dores musculares (por exemplo, na nuca e nos ombros);
- Dores de cabeça e problemas digestivos (como enjoo, “nó” no estômago ou intestino solto).
Não raro, a pessoa ansiosa também experimenta dificuldade para dormir, pois a mente e o corpo demoram a relaxar nesse estado de alerta.
Além das reações no corpo, a mente de quem está ansioso entra num ciclo de preocupação. Surgem frequentemente pensamentos negativos ou catastróficos, imaginando o pior cenário possível em cada situação.
Há uma sensação persistente de medo ou apreensão, muitas vezes sem um motivo concreto, e uma dificuldade em se concentrar em outra coisa que não seja as fontes de preocupação.
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Emocionalmente, a ansiedade excessiva traz uma intensa sensação de insegurança, irritabilidade e inquietação – como se fosse impossível relaxar ou “desligar” a cabeça.
Esses sintomas mentais e físicos alimentam um ao outro: o pensamento ansioso intensifica as sensações físicas (como o coração disparado), e sentir essas sensações confirma ainda mais os pensamentos de que “algo está errado”, num ciclo difícil de quebrar.
Vale lembrar que essas reações do corpo e da mente são, em essência, a mesma resposta biológica que teria utilidade diante de um perigo real – ou seja, fazem parte do nosso design evolutivo de proteção.
O problema é quando esse alarme todo dispara sem necessidade ou permanece ativado por tempo demais. Aí, o que era para ser uma resposta protetiva passa a ser fonte de sofrimento e perda de controle para a pessoa.
O impacto da ansiedade na qualidade de vida
Os transtornos de ansiedade podem ter um grande impacto na qualidade de vida de uma pessoa. Por causar tanto medo e desconforto, a ansiedade patológica frequentemente leva o indivíduo a mudar seus hábitos e rotinas de forma a evitar quaisquer gatilhos de ansiedade.
Por exemplo, alguém que sofre de pânico ou fobia pode deixar de sair de casa, recusar convites sociais ou evitar viagens e lugares cheios, limitando drasticamente suas atividades.
Outra pessoa com ansiedade generalizada pode viver num constante estado de preocupação que atrapalha seu desempenho no trabalho ou nos estudos, pela dificuldade de se concentrar e pelo cansaço mental e físico que a ansiedade contínua provoca.
A vida social e familiar também pode ser afetada. Pessoas muito ansiosas se tornam mais isoladas (por não conseguirem aproveitar eventos sociais) ou excessivamente dependentes de quem lhes passa segurança.
Podem surgir conflitos em relacionamentos, seja porque a pessoa evita certos compromissos, seja porque está sempre tensa e apreensiva. Além disso, os sintomas crônicos, como insônia, tensão e irritabilidade, minam o bem-estar: a pessoa acorda cansada, sente-se esgotada ou “no limite” o tempo todo, o que pode culminar em quadros de esgotamento ou depressão secundária.
Em resumo, quando a ansiedade ultrapassa o nível saudável, ela compromete o equilíbrio emocional e funcional da pessoa. A perda de controle sobre as próprias reações faz com que o medo passe a comandar as decisões, e o indivíduo acaba abrindo mão de partes importantes da vida devido à apreensão.
Nesse ponto, é fundamental reconhecer que isso não é “frescura” nem falta de força de vontade – trata-se de um transtorno mental real, que apresenta consequências significativas para a vida do indivíduo, mas que pode e deve ser tratado com ajuda profissional para que a qualidade de vida seja recuperada.
Quando a ansiedade não é um transtorno mental?
Depois de tudo o que foi exposto sobre a ansiedade patológica, é reconfortante lembrar que nem toda ansiedade é ruim.
Na verdade, a ansiedade em si é uma reação humana normal e necessária. Sem ela, nossos antepassados provavelmente não teriam sobrevivido aos inúmeros perigos do ambiente.
A ansiedade como mecanismo de sobrevivência
A sensação de ansiedade originalmente evoluiu para nos proteger. Ela faz parte do nosso instinto de sobrevivência. Imagine nossos ancestrais pré-históricos caminhando pela floresta: se eles ouviam um barulho suspeito, a ansiedade os colocava em alerta imediato, o coração batia mais rápido, os sentidos ficavam aguçados, os músculos prontos para reagir.
Essa resposta conhecida como “luta ou fuga” prepara o corpo para enfrentar ou escapar de ameaças, aumentando o fluxo sanguíneo para o coração e os músculos e liberando energia extra para agir.
Em outras palavras, sentir medo e ansiedade diante de um risco real era (e ainda é) o que nos faz reagir rápido diante de um perigo, seja para lutar, seja para correr.
Embora hoje não enfrentemos leões com frequência, o nosso corpo manteve esse sistema de alarme. É por isso que situações do dia a dia que representem algum desafio ou risco – como uma entrevista de emprego importante ou atravessar uma rua movimentada – podem despertar reações físicas e mentais similares às de um perigo de vida, ainda que de forma mais branda.
Essa ansiedade fisiológica moderada tem um papel positivo: ela nos motiva a nos preparar melhor e a ter cautela. Por exemplo, um certo grau de ansiedade antes de uma prova faz o estudante estudar e ficar atento às questões; um motorista mais ansioso dirigindo em estrada desconhecida tende a ser mais cuidadoso e vigilante.
Sem ansiedade nenhuma, seríamos imprudentes e não nos preocuparíamos com as consequências – o que certamente traria problemas. Portanto, a ansiedade em doses adequadas funciona como um mecanismo natural de defesa e adaptação, ajudando-nos a reagir a situações desafiadoras com energia e foco.
Ansiedade situacional: exemplos do dia a dia
No cotidiano moderno, existem inúmeras situações que geram ansiedade dentro da normalidade. Cada pessoa tem seus gatilhos, mas há experiências quase universais que costumam deixar qualquer um nervoso.
- Antes de uma apresentação em público, mesmo pessoas confiantes sentem o coração acelerar e aquele frio na barriga;
- Na véspera de provas ou exames, é comum ficar apreensivo imaginando como será o resultado;
- Entrevistas de emprego e primeiros dias em um trabalho novo quase sempre trazem uma ansiedade considerável – afinal, queremos causar boa impressão.
- Até eventos felizes podem vir acompanhados de ansiedade, como o dia de um casamento (os noivos ansiosos para que tudo dê certo) ou a expectativa pelo nascimento de um filho.
Todas essas situações podem disparar sintomas temporários de ansiedade – palpitações, suor, mente acelerada – mas isso não significa que haja um transtorno. Nesses casos, a ansiedade é proporcional ao estressor e tende a desaparecer assim que a situação se resolve ou a pessoa se acostuma ao desafio.
Por exemplo, quem sente “borboletas no estômago” antes de falar em público geralmente percebe que, após alguns minutos de apresentação, os sintomas aliviam e é possível prosseguir normalmente.
Da mesma forma, podemos passar uma noite mal dormida de preocupação antes de uma decisão importante, mas depois que tudo se resolve, o sono volta ao normal.
A ansiedade situacional, portanto, faz parte da vida. Ela indica que algo nos importa (um objetivo, um risco ou uma mudança) e nos coloca em posição de prestar atenção e dar o nosso melhor.
O critério-chave aqui é o tempo e a intensidade: a ansiedade normal é passageira e manejável. Ela não impede a pessoa de cumprir suas tarefas – você pode até ficar nervoso, mas consegue enfrentar a situação. Quando o evento estressante passa, o corpo e a mente retornam ao equilíbrio natural. Assim, sentir ansiedade nessas horas não é só normal, como também saudável em muitos aspectos.
Palavras finais
A ansiedade é uma companheira inevitável da experiência humana. Ao longo deste artigo vimos que ela se apresenta tanto como um mecanismo de sobrevivência saudável quanto como parte de um transtorno mental que rouba energia, alegria e liberdade de escolher onde ir ou o que fazer.
O fio que separa esses dois extremos é a maneira como os sintomas se manifestam: sua frequência, intensidade e impacto sobre a vida diária.
Se há uma mensagem central aqui, ela é simples: sentir ansiedade não faz de ninguém “fraco” nem “doente”. Pelo contrário, a resposta ansiosa moderada sinaliza que o organismo está atento e preparado.
Entretanto, quando o medo passa a dirigir as decisões, privando a pessoa de conviver, trabalhar ou descansar, estamos diante de algo que merece cuidado. Reconhecer a fronteira entre a ansiedade natural e os transtornos de ansiedade não tem o propósito de etiquetar ou julgar, mas de abrir portas para o cuidado adequado — seja por meio de mudanças de estilo de vida, psicoterapia ou, em alguns casos, apoio médico.
Também é importante frisar que transtorno mental não define identidade. Pessoas que sofrem com transtornos de ansiedade continuam sendo quem sempre foram, com talentos, sonhos e potencial.
Elas apenas enfrentam uma condição que pode (e deve) ser tratada. Ao mesmo tempo, quem sente “só um nervosismo” em situações específicas pode se beneficiar de técnicas simples de autorregulação — e até se surpreender descobrindo que aquela dose de ansiedade foi o empurrão que faltava para um desempenho melhor.
Em última análise, informação de qualidade é o antídoto mais poderoso contra o estigma. Quanto mais compreendemos os sinais do corpo e da mente, mais facilmente decidimos quando respirar fundo e seguir em frente ou quando buscar ajuda especializada.
Se o que você leu aqui iluminar dúvidas e incentivar conversas, o objetivo deste texto estará cumprido. Cuide-se, observe-se e lembre-se: pedir ajuda é sinal de coragem, não de fraqueza.
Referências
- AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION. Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais – DSM-5. 5. ed. Porto Alegre: Artmed, 2014.
- ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE. CID-11 Guia de Referência. Genebra: OMS, 2024.
- MOREIRA, M. B.; ARAÚJO, T. S. Prática Psicológica Baseada em Evidências. 1. ed. Brasília: Walden4, 2021.
- AUSTRALIAN PSYCHOLOGICAL SOCIETY. Evidence-based Psychological Interventions. 4th Edition, 2018.
- APA. Evidence-Based Practice in Psychology: APA Guidelines. American Psychological Association, 2021.
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