Psicólogo psicanalista: uma aposição que fere o código de ética

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Tempo de leitura: 24 minutos

Psicólogos que usam a Psicanálise como base única violam o Código de Ética ao praticar sem respaldo científico, confundindo pacientes e desvalorizando a profissão.

Psicólogo psicanalista: uma aposição que fere o código de ética

A Psicologia é uma profissão regulamentada. O psicólogo, ao usar esse título, assume um compromisso com a ciência, com o cuidado ao outro e com as regras que protegem a prática profissional.

Esse compromisso está registrado no Código de Ética do Psicólogo, um documento que não é decorativo, mas obrigatório, e que estabelece como deve ser o comportamento de quem exerce essa função diante da sociedade.

Apesar disso, um problema se espalha pelos consultórios, redes sociais e instituições: o uso da Psicanálise como única orientação teórica por psicólogos que, na prática, abandonam os critérios científicos exigidos pela profissão.

Muitos dizem que “atuam com base na escuta“, “seguem Freud” ou “trabalham com o inconsciente“, mas não deixam claro que essas práticas não têm reconhecimento científico atual e, portanto, não devem ser tratadas como Psicologia oficial.

Essa escolha teórica, quando feita sem responsabilidade, fere diretamente vários artigos do Código de Ética. Isso inclui desde a obrigação de fundamentar a prática na ciência psicológica até a proibição de divulgar serviços não reconhecidos como se fossem atendimento legítimo.

Ao ler este artigo até o fim, você vai aprender:

  • Quais trechos do Código de Ética estão sendo desrespeitados por psicólogos que atuam exclusivamente com Psicanálise;
  • Por que essa prática coloca o paciente em risco e engana o público;
  • Como o silêncio dos Conselhos de Psicologia alimenta essa contradição;
  • O que deve ser exigido de um psicólogo ético e responsável;
  • E, principalmente, por que essa ambiguidade precisa acabar, antes que a Psicologia perca sua credibilidade.

1. A exigência de fundamentação científica no exercício da profissão

O Código de Ética do Psicólogo, no Art. 1º, alínea c, afirma claramente que o profissional deve prestar seus serviços utilizando “princípios, conhecimentos e técnicas reconhecidamente fundamentados na ciência psicológica.”..

Ora, se é isso que a ética exige, como é possível que tantos profissionais estejam vinculando sua atuação a práticas sem qualquer comprovação científica, como boa parte das linhas psicanalíticas atuantes hoje?

Essa contradição viola diretamente o Código de Ética, e é responsabilidade do Conselho enfrentá-la com seriedade.

A ciência psicológica exige critérios objetivos, revisões por pares, replicação de resultados, evidência empírica. A Psicanálise, por exemplo, enquanto teoria da subjetividade e linguagem, tem valor simbólico e até histórico, mas não passa por esse crivo científico.

Freud, Lacan, Melanie Klein: nenhum deles se apoiou em metodologia controlada ou evidência mensurável. Ainda assim, vemos psicólogos utilizando exclusivamente essas abordagens como se fossem práticas clínicas validadas pela ciência.

Isso não é apenas uma escolha teórica, mas uma infração ética.

A Psicanálise não é reconhecida pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como prática baseada em evidências. Vários países excluíram a Psicanálise dos serviços públicos de saúde exatamente por falta de resultados comprovados.

Ao ignorar isso, o psicólogo está vendendo um serviço que não corresponde ao que o Código de Ética exige. E pior: está usando o título de psicólogo para dar aparência de cientificidade a uma prática que não a possui. É como um médico receitar chá de erva-doce para tratar câncer e dizer que é medicina.

Quem fiscaliza o uso indevido do título de psicólogo para práticas não científicas? Até quando essa ambiguidade será normalizada dentro da própria estrutura de fiscalização da profissão?

Essa tolerância é perigosa. Ela coloca em risco a confiança da população nos psicólogos e transforma Código de Ética em peça decorativa.


2. A proibição de vincular o título de psicólogo a práticas não reconhecidas

O Art. 2º, alínea f do Código de Ética é categórico: “É vedado ao psicólogo prestar serviços ou vincular o título de psicólogo a serviços de atendimento psicológico cujos procedimentos, técnicas e meios não estejam regulamentados ou reconhecidos pela profissão.

Isso significa que o título de psicólogo não deve ser usado como selo de credibilidade para práticas que a Psicologia como ciência não reconhece.

Quando um profissional se apresenta como psicólogo e oferece atendimento baseado exclusivamente na Psicanálise, especialmente em suas vertentes não validadas, ele está enganando o público e violando o Código de Ética.

E quando isso se repete milhares de vezes por dia, com a omissão dos Conselhos Regionais e do CFP, o que está sendo protegido? A Psicologia ou os interesses de grupos teóricos?

A população confia no CRP como uma certificação de que aquele profissional segue diretrizes científicas. Mas o que ocorre na prática?

O título de psicólogo é usado como máscara para práticas especulativas, muitas delas sem qualquer validação empírica. O Conselho se cala, e o silêncio passa a ser cumplicidade.

A prática de “escuta psicanalítica” em consultório, sem qualquer outra base técnica, é amplamente oferecida por psicólogos, mesmo sem diretrizes específicas ou reconhecimento formal pela Psicologia como ciência? Muitos desses profissionais sequer informam ao paciente que a Psicanálise não segue critérios de eficácia comprovada.

Vamos ser claros:

O que o Código exigeO que muitos psicólogos fazem
Prática com base científicaPrática com base simbólica e ideológica
Técnicas reconhecidasInterpretação livre sem validação
Clareza na divulgaçãoAmbiguidade deliberada

Se o título de psicólogo continua sendo usado para legitimar práticas não reconhecidas, quem será responsabilizado por isso? Quantos pacientes em sofrimento estão sendo atendidos com técnicas que não funcionam, achando que estão recebendo Psicologia científica?

Essa omissão não é neutra. Ela compromete a integridade da profissão, desinforma a população e abre precedentes perigosos para o charlatanismo com CRP na parede.


3. A responsabilidade de zelar pela imagem científica da profissão

O Código de Ética do Psicólogo estabelece, em seu Princípio Fundamental VI, o seguinte compromisso: “O psicólogo zelará para que o exercício profissional seja efetuado com dignidade, rejeitando situações em que a Psicologia esteja sendo aviltada.

A palavra “aviltada” não está ali por acaso. Significa rebaixada, desvalorizada, humilhada. Agora vejamos: o que é mais aviltante para a Psicologia do que vê-la sendo praticada com técnicas sem base científica, defendidas como legítimas, protegidas pelo silêncio institucional e vendidas ao público como atendimento psicológico?

Quando um psicólogo atua usando exclusivamente com prática não científica, sem contextualizar seus limites teóricos, epistemológicos e empíricos, ele faz parecer que aquilo é Psicologia científica.

E ao fazer isso, ele mistura ciência com fé pessoal, e transforma o consultório num templo da crença analítica. Isso, senhores conselheiros, é aviltamento ético e institucional.

Uma parte significativa da população não sabe diferenciar psicólogo de psicanalista, e acha que psicanálise é a única forma de atendimento psicológico. Isso é resultado direto da falta de fiscalização e de educação crítica por parte da categoria e das suas instituições reguladoras.

A imagem pública da Psicologia não deve ser protegida apenas com campanhas bonitinhas e hashtags no Instagram. Ela se constrói com:

  • Prática ética e científica;
  • Fiscalização séria;
  • Coerência entre o que se diz e o que se permite.

Atualmente, o que vemos?

Dever ÉticoRealidade
Zelar pela dignidade científica da PsicologiaSilêncio institucional frente ao uso de práticas não reconhecidas
Rejeitar o aviltamento da profissãoNormalização da ambiguidade epistemológica

Se o Conselho não reage ao uso indevido do título de psicólogo, ele não está protegendo a Psicologia,mas patrocinando o seu rebaixamento público.


4. A obrigação de promover o acesso ao conhecimento científico da Psicologia

O Princípio Fundamental V do Código de Ética determina: “O psicólogo contribuirá para promover a universalização do acesso da população […] ao conhecimento da ciência psicológica, aos serviços e aos padrões éticos da profissão.

Esse trecho é um chamado direto à responsabilidade social: a Psicologia não deve ser um clube hermético, acessível apenas aos iniciados em jargões teóricos ou aos que têm dinheiro para pagar sessões eternas de análise simbólica.

O psicólogo tem a obrigação de tornar o saber psicológico compreensível, acessível e útil para a população.

Mas vejamos o que acontece na prática: boa parte dos psicólogos que atuam sob a bandeira de práticas não científicas oferecem um discurso hermético, baseado em referências obscuras, e muitas vezes, sem qualquer compromisso com o conhecimento científico produzido pela Psicologia atual.

A “universalização do acesso” vira, na prática, um elitismo intelectual disfarçado de escuta profunda.

Termos como “sujeito barrado pelo significante do Outro” ou “fantasia estruturante do desejo do Outro” são usados por alguns psicólogos sem explicação, mesmo diante de pacientes em sofrimento grave? Isso não é linguagem clínica, mas barreira de acesso.

Vamos comparar?

O que o Código exigeO que a prática oferece
Clareza, acessibilidade e difusão do conhecimentoDiscurso fechado, baseado em autores não validados empiricamente
Conexão com a ciência psicológica atualRecusa do diálogo com outras abordagens ou com evidência científica

Em vez de oferecer conhecimento científico ao público, o que muitos psicólogos oferecem é um espetáculo simbólico, onde o sofrimento do paciente é apenas pano de fundo para que o profissional repita teorias aprendidas em seminários herméticos.

Como um profissional que se diz comprometido com a ética escolhe um caminho clínico que exclui o conhecimento científico que deveria divulgar?


5. A incoerência na formação e atualização profissional

De acordo com o Princípio Fundamental IV do Código de Ética, o psicólogo deve atuar “por meio do contínuo aprimoramento profissional, contribuindo para o desenvolvimento da Psicologia como campo científico de conhecimento e de prática.

A palavra-chave aqui é “científico“. Aprimorar-se como psicólogo não é só fazer mais cursos. É buscar conhecimento que seja validado, útil, replicável e responsável diante das demandas sociais.

Quando um psicólogo limita sua atualização exclusivamente à formação psicanalítica, com teorias fechadas, sem experimentação e sem compromisso com dados concretos, ele foge do que o Código de Ética exige.

E não se trata de opinião, mas fato: muitas escolas de Psicanálise não promovem pesquisa empírica, nem exigem revisão sistemática de eficácia.

Ainda assim, psicólogos seguem lotando cursos, seminários e grupos de estudos onde nenhum artigo científico é discutido, nenhuma estatística é apresentada, e nenhuma evidência é cobrada. Estão se aprimorando em quê, exatamente?

O Conselho Federal de Psicologia não exige que cursos de Psicanálise sigam critérios científicos mínimos para serem usados na formação clínica de psicólogos. Isso significa que alguém pode acumular centenas de horas de teoria analítica e continuar eticamente inapto para atuar como psicólogo, se só isso for sua base.

Vamos organizar essa contradição?

Código de Ética exige…Muitos psicólogos fazem…
Aprimoramento com base na ciência psicológicaCursos de formação fechados, sem critério empírico
Contribuição para o desenvolvimento da Psicologia científicaReprodução de discursos herméticos e não científicos

Essa incoerência não é pequena. Ela gera consequências sérias:

  • Profissionais desatualizados sobre avanços científicos em saúde mental;
  • Atendimento clínico baseado em dogmas, não em dados;
  • Desconexão entre prática e responsabilidade social.

Se o Conselho permite que o psicólogo “se atualize” apenas lendo Lacan e Foucault, sem jamais entrar em contato com a produção científica da Psicologia contemporânea, então ele está lavando as mãos sobre a qualidade técnica da profissão.


6. O uso indevido do espaço público para promover práticas não reconhecidas

O Art. 20, inciso c do Código de Ética determina que o psicólogo, ao promover seus serviços publicamente, deve: “Divulgar somente qualificações, atividades e recursos relativos a técnicas e práticas que estejam reconhecidas ou regulamentadas pela profissão.

Essa norma deveria ser uma barreira contra a desinformação, mas na prática, tem sido rotineiramente ignorada.

Basta abrir qualquer rede social e procurar perfis de psicólogos: é um festival de discursos sobre “cura pela fala“, “sintoma do desejo do Outro” e “relação com o gozo“, sem nenhuma explicação do que isso quer dizer, muito menos da sua validade clínica.

Esses profissionais não estão promovendo Psicologia, estão promovendo jargão teórico com aparência de autoridade científica.

Em centenas de perfis de psicólogos no Instagram, o único material de divulgação técnica vem da Psicanálise, sem contextualização científica ou referência ao status não reconhecido da maioria dessas práticas?

Vamos comparar o que é permitido e o que é praticado:

O Código exigeO que acontece nas redes
Divulgação de práticas reconhecidasExibição de técnicas obscuras e não validadas
Clareza e responsabilidade éticaConfusão entre autoridade científica e crença pessoal

A internet se tornou o principal meio de informação sobre saúde mental. Quando o psicólogo usa esse espaço para divulgar práticas não reconhecidas, ele não está apenas enganando o público. Está manchando a credibilidade de toda a categoria.

Se não há coragem institucional para aplicar o Código de Ética no espaço digital, então o que sobra? Um CRP passivo diante de um mercado que vende especulação como se fosse ciência, com carimbo ético na bio do Instagram.


7. A deturpação da relação terapeuta–usuário

O Código de Ética exige que o psicólogo atue com responsabilidade, respeitando os direitos do usuário e prestando serviços com fundamentação técnico-científica, objetivos claros e informações acessíveis (Art. 1º, alíneas c, f e g).

Mas na prática da Psicanálise, especialmente na sua forma lacaniana, o que mais se encontra é a ausência total de plano terapêutico, diagnóstico clínico e avaliação de progresso. Isso é compatível com a ética profissional? A resposta é: não.

O paciente tem direito a entender:

  • O que está sendo feito;
  • Por que aquilo está sendo feito;
  • E se está funcionando.

Na escuta psicanalítica tradicional, o psicólogo não fornece devolutiva estruturada, não apresenta hipótese diagnóstica, e não assume compromisso com a evolução mensurável do tratamento.

O que sobra, então, é uma relação em que o paciente fala e o psicólogo interpreta símbolos, como se isso, por si só, fosse suficiente.

Em muitos atendimentos de orientação psicanalítica, o psicólogo interrompe a fala do paciente no meio de uma frase “porque a sessão acabou“, mesmo que o paciente esteja em crise. Isso é defendido por algumas escolas como “ato analítico“. Mas será que o Código de Ética permite esse tipo de conduta?

Vamos observar essa contradição:

O que o Código exigeO que a prática psicanalítica permite
Clareza, contrato terapêutico, feedbackSilêncio, interpretações simbólicas, ausência de metas
Responsabilidade técnica e acolhimentoAmbiguidade deliberada, sem devolutiva clara

Essa relação terapeuta–usuário é ética? Ou é um jogo teórico onde o paciente é apenas um suporte para a reafirmação do saber do terapeuta?

Quando o psicólogo deixa de oferecer um plano de cuidado baseado em evidência, ele rompe com sua função profissional e mergulha no território da fé, do misticismo ou da arte.

Se os Conselhos de Psicologia aceitam isso como “forma válida de atendimento“, então deixaram de ser guardiões do Código e se tornaram cúmplices da confusão institucional.


8. A ausência de critérios diagnósticos e planos de tratamento

O Código de Ética deixa claro: o psicólogo deve prestar serviços com qualidade, base científica e fundamentação técnica (Art. 1º, alíneas b, c e g). Além disso, deve fornecer informações claras sobre o trabalho realizado, seus objetivos e resultados.

Mas o que acontece quando a atuação é orientada exclusivamente pela Psicanálise, especialmente em suas vertentes mais dogmáticas? Na maioria dos casos, não há diagnóstico formal, não há plano de intervenção, não há avaliação de eficácia.

O que há é um “deixar falar” indefinido, com interpretações simbólicas e silêncio terapêutico como principal recurso. Essa prática contraria diretamente a ética profissional.

Em boa parte das linhas psicanalíticas, o uso de classificações diagnósticas (como DSM-5 ou CID-11) é recusado por princípio? Isso impede o psicólogo de acompanhar a evolução do paciente com critérios técnicos, o que é exigido pelo Código.

Veja o contraste:

O que o Código exigeO que a prática psicanalítica propõe
Diagnóstico com base científicaRejeição de rótulos e categorias clínicas
Plano de tratamento com objetivos clarosSessões livres sem estrutura nem metas
Acompanhamento e devolutiva ao pacienteInterpretações simbólicas sem avaliação

Quando o psicólogo recusa o uso de diagnóstico não por cautela, mas por convicção teórica, ele está:

  • Ignorando as evidências em saúde mental;
  • Excluindo o paciente do próprio processo de cuidado;
  • E violando o princípio de transparência e responsabilidade profissional.

Oferecer “escuta analítica” como se fosse terapia psicológica completa, sem critérios diagnósticos e sem plano terapêutico, é um erro grave. É maquiar opinião teórica como ciência. É transformar o sofrimento do outro em exercício de linguagem.

Se os Conselhos não fiscalizam isso, estão autorizando a substituição da Psicologia pela especulação disfarçada de clínica.


9. A invisibilidade do usuário na construção do cuidado

O Código de Ética, em seus Princípios Fundamentais I e II, estabelece que o psicólogo deve respeitar e promover a liberdade, a dignidade e a integridade do ser humano, contribuindo para sua qualidade de vida e para a eliminação de qualquer forma de negligência ou exploração.

Mas quando o psicólogo atua com base em uma prática psicanalítica que valoriza mais o discurso teórico do que o sofrimento real da pessoa à sua frente, quem está sendo cuidado de fato? O paciente ou o narcisismo profissional do analista?

Em muitas abordagens lacanianas, por exemplo, o foco da escuta não é o sujeito concreto com história, contexto e urgência. O foco é o “sujeito do inconsciente“, uma entidade abstrata que só o analista compreende.

Resultado? O paciente real, com sua dor e necessidade de apoio, é substituído por um significante. A clínica vira um palco onde o analista interpreta enigmas, e o usuário vira um objeto passivo no processo.

Em algumas escolas psicanalíticas, o analista é orientado a não responder às perguntas do paciente, para que “o desejo se revele pela falta“. Isso dura meses, às vezes anos, com o paciente em sofrimento sem saber sequer se está melhorando.

Comparemos:

O que o Código de Ética garanteO que a psicanálise oferece
Acolhimento, respeito à dignidade, autonomiaSilêncio deliberado, sem feedback, com foco em símbolos
Participação ativa no processo terapêuticoPapel passivo, sem explicação clara sobre objetivos ou evolução

Essa prática fere diretamente a dignidade do sujeito. Não se trata de uma “posição teórica“, mas de uma negligência ética institucionalizada, legitimada pelo silêncio dos Conselhos.

Se o paciente não entende o que está sendo feito, não participa das decisões sobre o próprio cuidado e não recebe devolutiva sobre seu progresso, então ele não é sujeito, mas apenas recurso clínico para a teoria funcionar.


10. A conivência dos Conselhos com a ambiguidade institucional

O Art. 1º, alínea l do Código de Ética é claro: “Levar ao conhecimento das instâncias competentes o exercício ilegal ou irregular da profissão, transgressões a princípios e diretrizes deste Código ou da legislação profissional.

Ora, se esse é o dever de cada psicólogo individual, o que dizer então do Conselho Federal e dos Conselhos Regionais, que existem justamente para fiscalizar, orientar e proteger a ética da profissão?

Quando o Conselho ignora sistematicamente as práticas clínicas que violam o próprio Código, ele se torna cúmplice por omissão.

Estamos falando de uma crise institucional. A Psicanálise, especialmente em suas formas mais dogmáticas e antiempíricas, tem se infiltrado nas práticas clínicas de muitos psicólogos de forma descarada. Esses profissionais:

  • Usam o título de psicólogo;
  • Atuam com técnicas não reconhecidas;
  • Ignoram o dever de fornecer diagnóstico, plano terapêutico e devolutiva;
  • Não se atualizam com ciência;
  • E ainda se promovem nas redes como “especialistas” em escuta, desejo e inconsciente.

O CFP nunca emitiu uma resolução ou nota técnica que limite ou esclareça o uso da Psicanálise como prática clínica dentro da Psicologia. E mais: formações puramente psicanalíticas, sem critério científico, continuam sendo aceitas como complementares à atuação do psicólogo, mesmo que contrariem os princípios do próprio Código.

Vamos fechar esse ciclo:

O que o Código exigeO que o Conselho tolera
Denúncia e fiscalização de práticas antiéticasSilêncio institucional e validação ambígua da Psicanálise
Proteção da ética profissionalConivência com a diluição dos critérios científicos

Esse silêncio não é neutro. Ele é violento. Ele empurra a Psicologia para um abismo epistemológico onde tudo é permitido, desde que seja dito com ar de profundidade. O Conselho que deveria ser guardião da ética, tornou-se cúmplice do relativismo.

E aqui deixo a pergunta final: Até quando os Conselhos de Psicologia vão continuar fingindo que não veem? Quantos profissionais ainda vão atuar sem base científica com o aval implícito das instituições que deveriam proteger a Psicologia como ciência? E quem protege o paciente, quando o sistema todo virou um teatro de ambivalência?


Perguntas frequentes

  1. Psicanálise é proibida para psicólogos?
    Não. Mas o uso da Psicanálise como única base de atuação clínica, sem diálogo com a ciência psicológica e sem observância das normas éticas, fere o Código de Ética.
  2. Então o psicólogo não pode usar conceitos da Psicanálise?
    Pode, desde que: Seja transparente sobre o que está fazendo, não use o título de psicólogo para legitimar práticas não reconhecidas pela Psicologia científica, não substitua critérios técnicos por interpretações teóricas subjetivas.
  3. A Psicanálise é reconhecida pelo Conselho Federal de Psicologia?
    Não como prática regulamentada da Psicologia. Ela é tolerada como referência teórica, mas não tem status de técnica científica reconhecida como a Terapia Cognitivo-Comportamental ou a Terapia Sistêmica.
  4. O psicólogo pode atender apenas com “escuta analítica“?
    Pode, mas não deveria, se quiser respeitar o Código. Isso porque escuta analítica pura não apresenta plano terapêutico, nem diagnóstico técnico ou avaliação de resultados.
  5. O que diz o Código de Ética sobre práticas não reconhecidas?
    Art. 2º, f diz claramente: “É vedado ao psicólogo vincular o título de psicólogo a serviços cujos procedimentos não estejam regulamentados ou reconhecidos pela profissão.
  6. Usar Psicanálise como base única de trabalho é antiético?
    Sim, se o psicólogo não integrar essa abordagem com critérios científicos, diagnóstico formal, plano terapêutico e responsabilidade técnica.
  7. É possível ser psicanalista e psicólogo ao mesmo tempo?
    Sim, mas o psicólogo deve distinguir os papéis. Ele não deve usar o título de psicólogo para validar práticas que a Psicologia científica não reconhece.
  8. O psicólogo precisa explicar ao paciente que usa Psicanálise?
    Sim. O Código exige clareza sobre o tipo de serviço oferecido, seus objetivos, fundamentos e limitações.
  9. O paciente tem o direito de saber se a técnica é científica?
    Tem. É obrigação ética do psicólogo informar se o atendimento é fundamentado na ciência psicológica ou apenas em uma abordagem teórica alternativa.
  10. Por que a Psicanálise não é considerada ciência pela Psicologia?
    Porque não passa pelos critérios mínimos de validação científica, como replicabilidade, evidência empírica, testabilidade e revisão por pares.
  11. Usar termos técnicos da Psicanálise sem explicação fere a ética?
    Sim. O Código exige linguagem clara e compreensão mútua. Usar jargão hermético é desrespeito à autonomia do paciente.
  12. A Psicanálise pode ser usada como ferramenta complementar?
    Sim, desde que o psicólogo não apresente a prática como atendimento psicológico técnico-científico e não substitua métodos reconhecidos por crenças teóricas.
  13. O CRP fiscaliza a atuação psicanalítica de psicólogos?
    Em teoria, sim. Na prática, quase nunca. A fiscalização é falha e omissa, o que contribui para a ambiguidade institucional.
  14. É possível atualizar-se eticamente só com cursos de Psicanálise?
    Não. O Código exige aprimoramento contínuo com base na ciência psicológica, não apenas em formações teóricas fechadas e não empíricas.
  15. Psicólogos que atuam exclusivamente com Psicanálise devem ser denunciados?
    Se violam o Código de Ética (por exemplo, se vendem a prática como científica, omitem limitações ou atuam sem base técnica), então sim, devem ser denunciados ao CRP.

Palavras finais

Este artigo foi escrito com uma convicção simples, porém incômoda: não é possível defender a ética profissional da Psicologia enquanto se ignora, acomoda ou acoberta práticas que contrariam sua própria base científica.

A Psicanálise, apesar de sua importância histórica e de seu valor teórico em alguns contextos, não deve continuar sendo tratada como se fosse equivalente ao conhecimento científico produzido pela Psicologia contemporânea. E, mais grave ainda, não pode ser vendida ao público como atendimento psicológico regulamentado, com o respaldo do título de psicólogo.

A omissão sistemática permite que milhares de profissionais atuem em contradição aberta com os princípios éticos da categoria, comprometendo não só a qualidade do atendimento psicológico, mas também a confiança da população nas instituições que deveriam proteger a profissão.

Quando o Conselho não fiscaliza, não orienta e não se posiciona, ele deixa de ser autoridade ética e passa a ser agente da negligência.

Se queremos uma Psicologia respeitada, ética e útil à sociedade, é preciso romper com essa conivência institucional. A solução não está em proibir abordagens, mas em deixar claro o que é Psicologia científica e o que não é.

O paciente tem o direito de saber no que está se tratando, o psicólogo tem o dever de atuar com responsabilidade, e o Conselho tem o compromisso inegociável de garantir que isso aconteça. Do contrário, não teremos uma ciência, mas um teatro. E um teatro sem ética.

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