Já atendi pacientes chegando ao consultório em prantos, esgotados pelo trabalho e sem saber como pedir um atestado psicológico ao seu terapeuta. Nessas horas, percebo uma angústia profunda: de um lado, o medo de serem vistos como fracos ou pouco profissionais por precisarem de afastamento; de outro, a consciência de que sua saúde mental atingiu o limite do suportável. Por que ainda relutamos em tratar a saúde mental com a mesma seriedade dispensada à saúde física?
Nós, profissionais de saúde mental, sabemos que não há saúde sem saúde mental (OMS, 2016). Mesmo assim, o estigma em torno da saúde mental no ambiente corporativo permanece forte e nocivo.
Uma pesquisa recente revelou que 76% dos profissionais conhecem alguém que precisou se afastar do trabalho por motivos psicológicos (PEIXOTO, 2024), mas muitos ainda hesitam em solicitar atestado psicológico por medo de represálias ou julgamentos.
Diante disso, escrevo este artigo para esclarecer como pedir um atestado psicológico de forma ética e segura. Vou responder às dúvidas mais comuns, combater preconceitos e oferecer orientações práticas para dialogar com o psicólogo, sempre respeitando os limites éticos da profissão e os direitos do paciente.
Acredito que pedir ajuda deve fortalecer, e não abalar, o vínculo terapêutico, servindo como um passo corajoso de autocuidado.
Quando pedir um atestado psicológico?
Antes de mais nada, é preciso avaliar se o sofrimento psíquico está impactando diretamente sua função laboral. Costumo recomendar um atestado de psicólogo apenas quando o paciente está incapaz de desempenhar suas atividades devido a sintomas psíquicos graves (ansiedade aguda ou depressão incapacitante).
Já acompanhei um caso de transtorno do pânico em que o paciente não conseguia trabalhar por crises agudas de ansiedade. Nessas circunstâncias, pedir um atestado psicológico deixa de ser capricho e torna-se uma necessidade legítima para resguardar a saúde mental.
Conforme orienta o Conselho Federal de Psicologia (2019), o psicólogo deve “atestar somente o que foi verificado no processo de avaliação“. Em outras palavras, ele só fornecerá o documento se houver respaldo técnico e necessidade clínica.
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A identificação dos sinais internos de que a mente pede socorro é fundamental, e isso requer autoescuta. Ou seja, observar mudanças nas emoções, nos pensamentos e no corpo. A pessoa pode notar sintomas como insônia persistente, desmotivação extrema ou manifestações físicas de ansiedade (taquicardia, tensão muscular).
Esses sinais internos indicam que o sofrimento psíquico ultrapassou a capacidade de manejo habitual e que talvez seja hora de considerar um afastamento temporário para cuidar da saúde mental.
Além dos sinais internos, existem sinais externos que não podem ser ignorados, quando colegas de trabalho e familiares notaram mudanças no comportamento: irritabilidade ou quedas no desempenho profissional. Ou quando um gestor aponta erros recorrentes ou pessoas próximas comentam que “você não parece bem”, então é hora de refletir.
Em geral, esses sinais externos confirmam o que o corpo já indicava, deixando claro que é o momento de pausar e buscar ajuda. Um atestado psicológico se torna um instrumento de proteção à saúde, não um privilégio. Lembre-se de que o atestado psicológico apenas justifica a ausência. O abono da falta requer atestado médico (FRANCO, 2024).
Como abordar o assunto com seu terapeuta?
Em sessão, começo perguntando: “O que você espera conquistar ao obter o atestado psicológico?” Essa reflexão alinha expectativas entre terapeuta e o paciente. Clareza de objetivos evita mal-entendidos e fortalece o vínculo clínico, condição essencial para pedir um atestado psicológico com segurança.
Depois, incentivo o paciente a adotar um tom colaborativo: “Doutor, venho enfrentando crises de pânico que incapacitariam minhas atividades pelo próximo mês; poderíamos discutir a possibilidade de emitir um atestado de psicólogo para meu empregador?“. Essa formulação demonstra respeito às restrições éticas e coloca o profissional como parceiro, não mero assinante de papéis.
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Transparência também protege contra acusações de fraude. Cito a colega Dra. Sônia Barros: “Atestado só é ético quando nasce de evidências clínicas consistentes; do contrário, vira documento vazio.” (BARROS, 2023).
Portanto, leve registros que corroborem com sua queixa: relatórios de RH sobre queda de desempenho ou anotações de crises. Esses dados embasam a decisão clínica e agilizam o processo de solicitar um atestado psicológico.
Finalmente, pergunte-se: quais informações realmente precisam constar no atestado? Quanto menos detalhes sensíveis, menor o risco de estigma. Sugira ao terapeuta omitir CID, salvo exigência legal. Tal postura se apoia no dever de sigilo.
O que você tem direito de pedir (e o que não deve esperar)?
Você pode pedir:
- Justificativa de faltas;
- Afastamentos curtos até 15 dias e;
- Declarações de comparecimento.
Contudo, não deve esperar que o profissional “invente” diagnósticos ou prolongue afastamentos sem critério. Ética profissional não é burocracia; é cuidado fundamentado em evidências.
Você pode solicitar | Você não deve esperar |
---|---|
Justificar faltas isoladas | CID se não houver necessidade legal |
Afastamento de até 15 dias | Diagnóstico fictício |
Declaração de comparecimento | Rebaixamento de metas sem laudo médico |
Observe que pedir um atestado psicológico legítimo inclui aceitar limitações. Se precisar de afastamento superior a 15 dias, o psicólogo deve encaminhar ao psiquiatra ou INSS. “Não prometo dias que não posso atestar.“, costumo dizer no consultório, pois a legislação transfere ao médico perito a decisão sobre longos períodos.
Portanto, reflita: você quer um passe livre ou acompanhamento adequado? A segunda opção protege seu emprego e sua saúde.
O que o psicólogo vai ou não vai declarar no atestado?
Pela Resolução CFP 06/2019, o atestado deve limitar-se ao fato constatado, evitar exposição de detalhes sensíveis e pode até ser escrito em texto corrido para prevenir adulteração. O psicólogo declarará duração do afastamento e condições gerais, nada além.
Jamais espere descrições literais de sessões ou traumas vividos. Isso violaria o sigilo profissional e pode gerar discriminação. O documento não é relatório; é síntese clínica. Se o RH pedir mais detalhes, peça ao terapeuta uma carta explicativa, não um “reality show” da sua vida psíquica.
Quando indispensável, o CID só aparece com consentimento escrito do paciente, pois revela diagnóstico sensível. Segundo estudo da UNIFESP, 38 % dos profissionais de RH admitem que o CID influencia decisões de promoção (NUNES, 2024). Logo, omitir o código sempre que possível é ato de proteção, não de omissão.
Em suma, o psicólogo garante o mínimo necessário para que a empresa cumpra deveres legais, sem expor o paciente. Caso precise de informações adicionais, como por exemplo redução de jornada, isso deve vir em documento separado, mediante nova avaliação clínica.
O que fazer se o psicólogo recusar a emissão?
A recusa, embora frustrante, geralmente se apoia em razões éticas ou clínicas: ausência de avaliação suficiente, falta de critérios de incapacidade ou risco de iatrogenia no local de trabalho. Pergunte abertamente: “Quais critérios ainda não atendemos para justificar o atestado de psicólogo?“
Se a negativa persistir, negocie alternativas como:
- Declaração de comparecimento;
- Carta de encaminhamento ao psiquiatra;
- Plano terapêutico compartilhado com médico do trabalho.
Esses recursos já aliviam pressões de curto prazo enquanto o processo clínico amadurece.
Em caso de divergência irreconciliável, busque uma segunda opinião. A Resolução CFP garante autonomia para mudar de profissional sem penalidades. Contudo, evite “shopping de atestados“: múltiplos pedidos em curto prazo sinalizam má-fé ao RH. A autoridade do documento depende da credibilidade de quem assina e da honestidade de quem solicita.
Por fim, mantenha o vínculo terapêutico. Muitos pacientes retornam semanas depois reconhecendo que o terapeuta tinha razão ao adiar o documento. A confiança construída nessas discussões maduras reforça o tratamento e faz do atestado psicológico uma ferramenta de cuidado, não de fuga.
Palavras finais
Solicitar um atestado psicológico não é ato de fraqueza; é estratégia legítima de recuperação. Se o sofrimento psíquico compromete a capacidade laboral, pedir um atestado psicológico passa a ser questão de saúde pública e direito trabalhista. Negar-se a reconhecer limites apenas prolonga o adoecimento.
Ao abordar o tema com seu terapeuta, valorize a ética: demonstre necessidade clínica, apresente dados objetivos e aceite limites legais. Lembre-se de que o atestado de psicólogo é documento conciso; diagnósticos detalhados cabem ao laudo médico. Transparência, respeito e evidências formam a tríade de um pedido bem-sucedido.
Finalmente, reflita: você está disposto a priorizar sua saúde mental com a mesma seriedade dedicada às metas da empresa? Se a resposta é “sim”, planeje a conversa, solicite um atestado psicológico quando necessário e permita-se cuidar, porque produtividade sustentável exige mente saudável.
Referências
- BARROS, Sônia. Ética na emissão de atestados psicológicos. Revista Brasileira de Psicologia Clínica, Rio de Janeiro, v. 55, n. 2, p. 120-128, 2023.
- CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA. Resolução CFP n.º 06, de 29 de março de 2019. Institui regras para a elaboração de documentos escritos produzidos pela(o) psicóloga(o) no exercício profissional. Brasília: CFP, 2019. Disponível em: https://site.cfp.org.br/wp-content/uploads/2019/07/Resolucao_06-2019.pdf. Acesso em: 3 jun. 2025.
- CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA. Resolução CFP nº 06, de 29 de março de 2019. Estabelece diretrizes para a elaboração de documentos escritos produzidos pela(o) psicóloga(o). Brasília, DF: CFP, 2019. Disponível em: https://site.cfp.org.br/wp-content/uploads/2019/09/Resolu%C3%A7%C3%A3o-CFP-n-06-2019-comentada.pdf. Acesso em: 03 jun. 2025.
- FRANCO, Camila. Atestados médicos de psicólogos para abono de faltas: O que diz a legislação? Valor Econômico, 19 nov. 2024. Disponível em: https://valor.globo.com/patrocinado/pressworks/noticia/2024/11/19/atestados-medicos-de-psicologos-para-abono-de-faltas-o-que-diz-a-legislacao.ghtml. Acesso em: 03 jun. 2025.
- NUNES, Mariana. Impacto do CID nas decisões de RH sobre promoção: um estudo transversal. Revista de Psicologia Organizacional, Porto Alegre, v. 29, n. 3, p. 45-60, 2024.
- ORGANIZAÇÃO PAN-AMERICANA DA SAÚDE; ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE. Saúde mental depende de bem-estar físico e social, diz OMS em dia mundial. 10 out. 2016. Disponível em: https://brasil.un.org/pt-br/74566-sa%C3%BAde-mental-depende-de-bem-estar-f%C3%ADsico-e-social-diz-oms-em-dia-mundial. Acesso em: 03 jun. 2025.
- PEIXOTO, Rafael. Mental health: 86% of employees would change jobs due to mental health, says study. LinkedIn, 14 fev. 2024. Disponível em: https://www.linkedin.com/pulse/mental-health-86-employees-would-change-jobs-due-says-peixoto-m-sc-rheqf. Acesso em: 03 jun. 2025.
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