Os psicólogos incentivam o divórcio durante a terapia?

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“Será que meu terapeuta vai mandar eu me separar?”. Essa dúvida ecoa cada vez que um post viral acusa profissionais de destruírem famílias durante a terapia.

Os psicólogos incentivam o divórcio durante a terapia?

Será que meu terapeuta vai mandar eu me separar?“. Essa dúvida ecoa cada vez que um post viral acusa profissionais de destruírem famílias durante a terapia.

De um lado, pessoas que juram ter ouvido a palavra “divórcio” como receita pronta; de outro, psicólogos que se apoiam no Código de Ética para afirmar que não dão conselhos, mas facilitam reflexões.

A controvérsia ganha força porque toca em medos profundos:

  • O temor de ser influenciado a abandonar um compromisso afetivo;
  • O receio de continuar preso a uma relação tóxica ou violenta, e;
  • O desconforto de reconhecer que decisões íntimas muitas vezes revelam desigualdades de gênero e poder.

Quando a discussão migra para redes sociais de micro-texto, nuances se perdem e duas narrativas opostas se cristalizam:

  1. “Psicólogos(as) que induzem divórcios em massa”;
  2. “Psicólogos(as) neutros que apenas devolvem ao paciente o espelho da própria realidade”.

Mas onde termina a facilitação do autoconhecimento e começa a influência indevida? O Código de Ética é taxativo ao proibir indução de decisões:

TrechoImplicação
Art. 2º-b: é vedado ao psicólogo “induzir a convicções políticas, filosóficas, morais…”Incentivar divórcio de forma diretiva violaria essa alínea.
Art. 2º-j: proíbe “estabelecer relação que possa interferir negativamente nos objetivos do serviçoEnvolver-se com ex-cônjuge de paciente é infração grave.
Princípio I: promover liberdade e dignidade do clienteTerapia legitima decisões autônomas, inclusive romper relações, mas não determina o rumo.

Ainda assim, a transformação subjetiva produzida pela terapia leva a escolhas radicais, inclusive a separação. Isso significa incentivo? Ou apenas consequência lógica de um processo de conscientização?

     

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De onde surgiu esta crença?

Já parou para pensar por que tanta gente jura que psicólogo vive mandando o paciente largar o cônjuge? Em apenas 48 horas um post no Threads bateu 60 mil curtidas empurrando essa história para o topo dos celulares. Se boato fosse sorvete todo mundo já estaria lambuzado.

O burburinho nasceu de três ingredientes nada secretos:

  • Falta de informação sobre como funciona a terapia;
  • Experiências individuais espalhadas como prova universal;
  • Redes sociais que premiam frases curtas e polêmicas.

A lenda cresce igual massa de pão, fofinha e cheia de ar, cada clique vira fermento.

Você sabia?
69% dos pedidos de divórcio partem das mulheres. Isso alimenta a lenda de que alguém está soprando a ideia no consultório.

Quando essas peças se juntam o público confunde facilitar reflexão com mandar separar e pronto, começa a chuva de comentários raivosos. Mas isso é só o começo.


Quando o psicólogo DEVE incentivar o divórcio?

Na prática comum da clínica o Código de ética impede o profissional de dizer “separe-se já” como se fosse remédio de balcão. Porém o mesmo Código também obriga o Psicólogo a proteger a vida, a saúde e a dignidade do cliente (Princípio II).

Aí surge a exceção: quando permanecer na relação representa risco concreto, como violência física, psicológica ou patrimonial, o dever ético passa a ser zelar pela integridade da pessoa, mesmo que isso implique recomendar o afastamento imediato do agressor.

Cenários em que o conselho de divórcio é legítimo:

  • Violência doméstica comprovada
    Diretrizes do próprio CFP para atendimento a mulheres em situação de violência orientam o profissional a oferecer informações sobre medidas protetivas e rotas de saída seguras, o que inclui a ruptura do vínculo conjugal;
  • Risco de vida ou de saúde mental grave
    Tentativas de feminicídio, ameaças recorrentes, crises que exigem abrigamento;
  • Violação de direitos de crianças
    Se a continuidade do casamento expõe filhos a abuso ou negligência, o psicólogo deve acionar rede de proteção e indicar a dissolução como estratégia de segurança familiar.

Como isso acontece na sessão?

  1. Avaliação de risco:
    Sinais de agressão, histórico de ameaças, recursos da vítima;
  2. Pacto de segurança:
    Plano claro: onde ficar, quem acionar, documentos essenciais;
  3. Encaminhamento jurídico:
    Orientação sobre Delegacia da Mulher, Lei Maria da Penha e defensorias;
  4. Ato clínico claro:
    Registro em prontuário destacando que a sugestão visa preservar vida e direitos, não impor escolha moral.

Em resumo
O Código proíbe manipular escolhas, mas também proíbe omissão frente à violência. Quando a casa pega fogo, apontar a saída não é indução, é cuidado.


Quando o psicólogo NÃO DEVE incentivar o divórcio?

Alguns conflitos parecem furacão, mas outros são só nuvem passageira. Nesses últimos, sugerir divórcio seria tão precoce quanto mandar alguém amputar o braço por causa de uma unha encravada.

O Código de Ética proíbe induzir convicções morais ou ideológicas, e isso inclui sugerir uma separação sem necessidade. A seguir estão os cenários em que o psicólogo deve respirar fundo, segurar a língua e focar na reconstrução, não na ruptura:

  1. Crises rotineiras e reversíveis:
    Discussões sobre tarefas domésticas, ciúme pontual, estresse financeiro sazonal;
  2. Falta de avaliação completa:
    Primeiras sessões ainda mapeando história, valores, rede de apoio.
  3. Conflitos derivados de transtornos tratáveis:
    Depressão, ansiedade, luto, dependência de substâncias.
  4. Influência de transferências e valores pessoais:
    Se o psicólogo percebe que sua própria experiência de divórcio (ou militância religiosa, política etc.) contamina a escuta, é hora de recorrer a supervisão, não de decretar fim de casamento do paciente.
  5. Dependência econômica sem plano de segurança:
    Encerrar a relação sem preparar orçamento, moradia e rede protetiva pode pôr o paciente em vulnerabilidade maior. O papel ético é planejar, não precipitar.

Você sabia?
Intervenções breves baseadas em evidências elevam satisfação conjugal em até 80% dos casais que chegam em fase de desgaste, mostrando que separação não é a única rota.

Em síntese: quando não há violência, riscos graves ou ponto de não-retorno, o trabalho do psicólogo é clarear opções, fortalecer habilidades e deixar que a decisão final seja amadurecida pelo próprio casal. Se o profissional puxa o gatilho do divórcio fora dessas condições, está mais rompendo o Código de Ética do que salvando alguém.


Resumo

Quando sugerirQuando não sugerir
Violência doméstica comprovadaConflitos rotineiros e reversíveis
Abuso psicológico ou patrimonial graveFalta de avaliação completa
Perigo para crianças ou outros dependentesProblemas ligados a transtornos tratáveis
Tentativas prévias de mediação fracassadasInfluência de valores pessoais do psicólogo

Seu psicólogo está incentivando um divórcio que você não quer?

Tá sentindo um empurrãozinho para largar o(a) parceiro(a) mesmo sem ter certeza? Hora de ligar o radar.

  • Toda sessão a conversa termina com “você merece coisa melhor, separa logo”?
  • O profissional não investiga finanças, filhos ou outros impactos?
  • Você sai do consultório mais confuso que esclarecido?
  • O terapeuta usa frases tipo “se eu fosse você…” em vez de perguntas abertas?
  • Não há plano de ação para melhorar comunicação, só fala em rompimento?

O que fazer se você disse sim para 2 ou mais das perguntas:

  1. Seja claro e diga: “Não quero divórcio agora, quero entender opções“.
  2. Peça objetivos terapêuticos escritos e prazo para rever progresso;
  3. Considere segunda opinião com outro profissional ou terapeuta de casal;
  4. Se sentir pressão ou julgamento, procure o CRP para orientação ética.

Você sabia?
62% dos casais melhoram após treinar habilidades de diálogo antes de pensar em separar.


Perguntas frequentes

  1. Psicólogo pode mandar eu me separar logo na primeira sessão?
    Não. Ele precisa primeiro avaliar contexto, segurança e objetivos de terapia. Conselho imediato viola a ética profissional.
  2. Qual a diferença entre sugerir e apoiar meu divórcio?
    Sugerir é empurrar a decisão; apoiar é dar suporte quando você já optou por se separar.
  3. Violência doméstica: o terapeuta é obrigado a recomendar separação?
    Sim, se houver risco real ele deve indicar afastamento seguro e encaminhar à rede de proteção.
  4. Terapia de casal impede o divórcio?
    Não garante, mas aumenta clareza e chance de reconciliação quando ambos colaboram.
  5. Meu psicólogo fala muito da própria vida amorosa, isso é normal?
    Excesso de auto-exposição é sinal vermelho; foco deve ser você, não a história dele.
  6. Posso trocar de psicólogo se me sinto pressionado?
    Claro. Você é livre para buscar segunda opinião ou outro profissional a qualquer momento.
  7. Como denunciar conduta antiética de psicólogo?
    Entre em contato com o Conselho Regional de Psicologia (CRP) do seu estado e abra representação.
  8. Terapia individual influencia mais no divórcio que terapia de casal?
    Pode influenciar sim, pois trabalha sua autonomia; já a de casal foca na relação como sistema.
  9. Autoestima alta causa separação?
    Não. Ela só facilita decisões coerentes; se a relação for saudável, tende a fortalecê-la.
  10. É melhor procurar psicólogo homem se não quero ouvir “larga dele”?
    Gênero não define conduta. Avalie formação, postura ética e abordagem, não o sexo do profissional.

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