A exposição midiática de casos envolvendo psicopatas e stalkers desperta não apenas a curiosidade popular, mas também a preocupação de profissionais do direito, da saúde mental e da segurança pública.
Esses perfis, por vezes confundidos entre si, apresentam comportamentos sobrepostos que desafiam os limites entre a patologia e a criminalidade. Em um cenário onde as fronteiras entre obsessão e frieza calculada se diluem, entender as convergências de perfil entre essas figuras se torna essencial para prevenir desfechos trágicos.
Por que psicopatas e stalkers, embora motivados por impulsos distintos, revelam padrões de conduta semelhantes? A presente análise, amparada em fundamentos da psicoterapia baseada em evidências, visa investigar sete pontos de semelhança entre essas personalidades.
Com isso, busca-se oferecer subsídios que favoreçam intervenções mais eficazes e estratégias preventivas que considerem não apenas o aspecto legal, mas também os fatores psicológicos subjacentes.
1. Inexistência de empatia: um eixo em comum
A ausência de empatia é uma das características compartilhadas mais marcantes entre psicopatas e stalkers. Embora manifestada de formas distintas, essa indiferença ao sofrimento alheio está no cerne de ambos os perfis.
Enquanto o psicopata apresenta uma frieza afetiva estrutural, o stalker tende a mascarar essa ausência de empatia com uma falsa idealização da vítima. Em ambos os casos, a dor do outro é instrumentalizada: seja como fonte de prazer, seja como parte da ilusão de conexão.
Durante o atendimento clínico de um paciente denunciado por perseguição, observei um relato impactante: “eu não me importava se ela estava com medo, só queria que ela me respondesse”. Esse tipo de fala ilustra o apagamento da alteridade.
É importante destacar que, segundo o DSM-5 (2014), a ausência de empatia é critério central no diagnóstico de transtorno de personalidade antissocial, comumente associado à psicopatia. Já estudos como o de Mullen et al. (2000) identificam o mesmo traço em perseguidores obsessivos.
2. Manipulação como ferramenta de domínio
Outra correspondência de conduta entre psicopatas e stalkers é o uso de estratégias manipulativas. A manipulação se expressa de modo sutil ou explícito, mas seu objetivo é sempre o controle.
Tanto no contexto amoroso quanto em ambientes profissionais ou familiares, psicopatas e stalkers constroem narrativas que distorcem a realidade da vítima, produzindo dependência emocional ou medo extremo.
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Estudos de Meloy (2002) apontam que o comportamento manipulador é uma das principais armas de stalkers persistentes. Já Hare (1999), referência na psicopatia, identifica a manipulação como uma das principais ferramentas sociais dos psicopatas.
3. Obsessão e persistência: um padrão comum
O comportamento repetitivo, insistente e muitas vezes ritualístico de ambos os perfis revela padrões comportamentais similares. Psicopatas perseguem objetivos com obstinação fria. Stalkers o fazem movidos por obsessão.
As motivações diferem: o psicopata busca gratificação pessoal, enquanto o stalker persegue uma fantasia relacional. Contudo, ambos exibem persistência doentia, invadindo espaços físicos, virtuais e emocionais da vítima.
Em uma experiência clínica, uma vítima relatou: “ele aparecia em todos os lugares, mesmo depois de uma medida protetiva“. Esse relato é recorrente tanto em casos de stalking quanto em perseguições predatórias psicopáticas.
Segundo o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais – DSM-5 (APA, 2014), esse padrão pode ser entendido como parte de um transtorno obsessivo ou de personalidade. A persistência irracional torna-se uma das analogias psicológicas mais visíveis.
4. Dominação: o desejo de poder sobre o outro
Tanto o psicopata quanto o stalker apresentam afinidades comportamentais em sua ânsia por controle. A dominação pode ser física, emocional ou simbólica.
Essa necessidade é observável em discursos clínicos, como no caso de um paciente que dizia: “eu precisava saber tudo o que ela fazia. Era como se eu fosse responsável pela vida dela“.
Esse tipo de racionalização revela uma tentativa de justificar um comportamento controlador como zelo ou proteção. Na verdade, trata-se de um desejo de posse e subjugação.
Na literatura forense, autores como Briere e Scott (2012) apontam que o controle é o combustível das dinâmicas abusivas, presentes tanto em agressores psicopatas quanto em perseguidores persistentes.
5. Impulsividade: a ausência de freios psíquicos
A impulsividade é um traço observado em diversos perfis clínicos, mas ganha contornos perigosos quando associada à frieza do psicopata ou à obsessão do stalker. Trata-se de mais uma similaridade clínica relevante.
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Ao contrário da impulsividade ansiosa, nestes casos ela não decorre de insegurança, mas de um cálculo distorcido ou da perda de contato com limites éticos e legais. No campo clínico, é comum ouvir frases como: “eu não pensei, só fui lá” ou “me vi batendo na porta dela às 3 da manhã“. Essa impulsividade é potencialmente lesiva.
De acordo com o estudo de Logan e Walker (2017), stalkers impulsivos tendem a escalonar rapidamente suas ações, o que também ocorre com psicopatas diante de frustrações ou rejeição.
6. Agressividade e ameaças: uma escalada anunciada
A agressividade, seja ela física, verbal ou simbólica, é uma das características compartilhadas mais alarmantes. Psicopatas são conhecidos por sua tendência à violência instrumental. Stalkers evoluem de vigilância para ataque.
É nesse ponto que os comportamentos sobrepostos ganham contornos criminológicos evidentes. A ameaça velada, a intimidação constante e a violência direta são meios utilizados por ambos para obter obediência ou punir a vítima.
Em um caso acompanhado, a vítima relatava receber “recados” deixados na porta, sempre com conotação agressiva. Este tipo de prática é comum em ambos os perfis.
Estatísticas do National Center for Victims of Crime (EUA) revelam que cerca de 30% das vítimas de stalking relatam agressão física, enquanto estudos de psicopatia indicam alta incidência de violência como forma de resolução de conflito.
7. Ausência de remorso: a justificativa como defesa
Por fim, a falta de remorso é uma das analogias psicológicas mais consistentes. Psicopatas tendem a racionalizar suas ações, atribuindo culpa à vítima. Stalkers, por sua vez, justificam seus atos como expressão de amor ou cuidado.
Frases como “ela me provocou“, “ele me enganou“, “só queria respostas” são comuns no discurso clínico desses sujeitos. Essa ausência de culpa impede a autocrítica e o desejo genuíno de mudança.
Segundo Hare (1999), a ausência de remorso é um dos pilares da psicopatia. Já McEwan et al. (2009) identificaram que stalkers persistentes raramente demonstram arrependimento genuíno, mesmo diante de medidas judiciais.
Esse ponto é crucial para o manejo clínico e jurídico desses perfis. A negação do sofrimento causado impede o sucesso de abordagens terapêuticas tradicionais.
Palavras finais
A análise apresentada evidencia uma série de paralelos psicológicos entre os perfis de psicopatas e stalkers. Apesar das diferenças etiológicas e motivacionais, ambos compartilham traços que os tornam potencialmente perigosos.
Os sete pontos explorados – falta de empatia, manipulação, obsessão, dominação, impulsividade, agressividade e ausência de remorso – constituem um mapa clínico e comportamental útil para intervenções preventivas e reabilitadoras.
Compreender essas similaridades clínicas não é apenas uma questão teórica, mas uma demanda prática e urgente para a saúde pública e o sistema de justiça. A aplicação da psicoterapia baseada em evidências nesse contexto oferece caminhos sólidos e eficazes.
Referências
- AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION. Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais: DSM-5. 5. ed. Porto Alegre: Artmed, 2014.
- BRIERE, J.; SCOTT, C. Principles of trauma therapy: A guide to symptoms, evaluation, and treatment. Thousand Oaks: SAGE, 2012.
- HARE, R. D. Without Conscience: The Disturbing World of the Psychopaths Among Us. New York: The Guilford Press, 1999.
- LOGAN, T. K.; WALKER, R. Stalking: A multidimensional framework for assessment and safety planning. Trauma, Violence, & Abuse, 18(2), 2017.
- MCEWAN, T. E.; MELLOY, J. R.; MACGREGOR, J. L. The Role of Psychopathy in Stalking. Journal of Forensic Sciences, 54(1), 2009.
- MELLOY, J. R. The Psychology of Stalking: Clinical and Forensic Perspectives. San Diego: Academic Press, 2002.
- MULLEN, P. E.; PATHÉ, M.; PURCELL, R. Stalkers and Their Victims. Cambridge: Cambridge University Press, 2000.
- NATIONAL CENTER FOR VICTIMS OF CRIME. Stalking Resource Center. Disponível em: https://victimsofcrime.org/. Acesso em: 10 abr. 2025.
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