Quem lucra com a psicoterapia que nunca termina?

Quem lucra com a psicoterapia que nunca termina?

Psicoterapias intermináveis lucram com a dependência emocional dos pacientes, alimentada por interesses financeiros e narcisismo de maus psicoterapeutas.


Em um cenário em que a saúde mental ganha a merecida visibilidade, paradoxalmente cresce a normalização da psicoterapia que não tem fim. Para muitos pacientes, a busca por ajuda profissional deveria representar um caminho de desenvolvimento pessoal, autoconhecimento e conquista de autonomia.

Porém, não raro, tal caminho se transforma em uma psicoterapia interminável que, semana após semana, não apresenta uma bússola clara nem sinaliza chegada.

A depender do modelo clínico, o encontro psicoterapêutico acaba se estendendo por anos – um processo que, em vez de preparar o indivíduo para a vida fora do consultório, parece mantê‑lo girando em torno dos mesmos temas. Num percurso saudável, três pilares se destacam:

  1. A construção de objetivos específicos e mensuráveis;
  2. A revisão periódica desses objetivos e;
  3. Um plano de alta programada.

Tais práticas são sustentadas pelos princípios de autonomia e beneficência que orientam o exercício ético da psicoterapia.

Quando o tratamento ignora essas diretrizes, converte‑se em processo psicoterapêutico sem conclusão, perpetuando a sensação de que sempre há “algo crucial” ainda por resolver – mesmo se os ganhos alcançados já permitem ao paciente caminhar com as próprias pernas.

O fenômeno da psicoterapia infinita não surge por acaso: ele costuma ser efeito de fatores clínicos, econômicos e relacionais que favorecem a manutenção do vínculo sem prazo. Neste artigo, questiono as raízes desse modelo, apontando riscos, consequências e caminhos alternativos.

A intenção é provocar reflexão crítica – tanto em quem já frequenta um acompanhamento psicoterapêutico contínuo quanto em quem cogita iniciar o processo. Afinal, saúde mental de qualidade implica capacitar o paciente a viver bem também sem o psicoterapeuta.


Por que algumas psicoterapias não tem fim?

Antes de examinar causas e consequências, é preciso mirar o epicentro da responsabilidade: profissionais que perpetuam o tratamento psicoterapêutico prolongado sem necessidade clínica.

São eles — ainda que representem minoria — que alimentam o descrédito social ao venderem a ilusão de cura eterna; exploram o medo do sofrimento; e convertem o consultório em caixa‑registradora de emoções mal processadas.

Durante a formação acadêmica e no discurso de muitos, há uma ideia silenciosamente aceita de que a psicoterapia pode — e talvez deva — durar indefinidamente. Essa crença se sustenta em noções como:

Leia também:

  • “O autoconhecimento é um processo contínuo.”
  • “Sempre há mais a se trabalhar.”
  • “A vida é cheia de desafios, então sempre haverá demanda terapêutica.”

Embora essas afirmações tenham um fundo de verdade, elas também são usadas para justificar práticas que mantêm o paciente dependente da psicoterapia sem necessariamente promover sua autonomia.

Quando o tratamento se torna um fim em si mesmo — e não mais um meio para capacitar o indivíduo a viver de forma mais livre —, algo fundamental se perde: o respeito pelo potencial de independência do paciente.

Ao negligenciar protocolos de avaliação, tais profissionais instauram a psicoterapia infinita, um looping de sessões que zombam do princípio da efetividade.

Essa crítica não é mero espantalho moral. Dados de planos de saúde no Brasil indicam que tratamentos que ultrapassam cinco anos sem reavaliação objetiva geram gastos até 280 % maiores, sem comprovar benefícios proporcionais.

Em outras palavras, existe incentivo econômico real de empurrar o cliente ad nauseam — e alguns profissionais cedem. Pior: poucos Conselhos Regionais fiscalizam o acompanhamento psicoterapêutico contínuo sob a ótica da duração, o que cria terreno fértil para abusos.


A dependência emocional fabricada

Um método sombrio usado por esses profissionais é criar dependência emocional deliberadamente. Eles se posicionam como pilar insubstituível na vida do paciente – o único que “entende” seus dilemas – fazendo-o acreditar que não conseguirá enfrentar seus problemas sozinho.

Assim, o paciente desenvolve uma ligação de necessidade quase filial, temendo “desmamar” do suporte profissional. Como noticiado no The Guardian, certos psicoterapeutas minam a autoestima e fomentam uma dependência doentia para mantê-lo por perto​.

O resultado é uma relação desequilibrada: o paciente, já fragilizado, sente que só é funcional sob a tutela constante do psicoterapeuta, enquanto este capitaliza essa lealdade cega.

Os maus profissionais exploram a dependência em benefício próprio, adiando indefinidamente o momento de dizer adeus. As consequências são o que Freud chamou de “psicoterapia interminável”, ou seja, um tratamento que nunca chega a uma conclusão mutuamente satisfatória​

Em vez de alta, o paciente recebe uma sentença de tratamento perpétuo, enquanto o psicoterapeuta assegura um fluxo contínuo de honorários.

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Pergunta para refletir:
Você sente que está na psicoterapia para ganhar liberdade — ou para continuar precisando do psicoterapeuta?


As metas psicoterapêuticas nebulosas

Outra tática de prolongamento antiético é manter objetivos psicoterapêuticos vagos ou mutantes. Quando o destino é incerto, qualquer caminho é insuficiente – e assim o psicoterapeuta sempre afirmará que “ainda não chegamos lá”.

O paciente, sem saber exatamente o que configura melhora ou alta, aceita seguir indefinidamente, achando que precisa “trabalhar mais” aspectos que nunca se esgotam. Uma pesquisa na área indica que falta de clareza nas metas está associada a tratamentos mais longos e maior dependência do paciente em relação ao psicoterapeuta.​

Não é surpresa: metas difusas alimentam a crença de que sempre falta algo a ser resolvido, por mais que o paciente já tenha obtido avanços.

Alguns psicoterapeutas, maliciosamente, redefinem objetivos no meio do caminho – quando o paciente se aproxima da conquista inicial, surge uma “nova camada do problema” a ser explorada, ou um novo traço de personalidade a “trabalhar”.

Assim, o alvo se move constantemente. Essa estratégia de miragem psicoterapêutica garante que a linha de chegada nunca seja cruzada, mantendo o paciente preso na corrida.

Enquanto isso, cada sessão extra representa lucro adicional para o profissional. Manter o tratamento sem direção clara também dificulta que o paciente questione a duração. Afinal, como reclamar da longa jornada se nunca ficou explícito onde ela terminaria?

Sem um plano terapêutico transparente, o paciente fica à mercê do psicoterapeuta. Essa opacidade intencional é um instrumento de poder: somente ele detém o mapa do tesouro da suposta “cura completa”, então sair da psicoterapia torna-se sinônimo de abandonar a chance de melhorar plenamente.

Trata-se de uma armadilha sutil e antiética, que contraria princípios básicos de boa prática clínica, como a colaboração e o estabelecimento de objetivos consensuais.

Pergunta para refletir:
Você sabe quais eram seus objetivos na psicoterapia — e eles realmente evoluíram ou continuam mudando indefinidamente?


Alimentando a insegurança do paciente

A inseurança do paciente é terreno fértil para quem deseja prolongar tratamentos. Psicoterapeutas antiéticos reforçam os medos e dúvidas de quem atendem, ainda que de modo velado. Em vez de celebrar conquistas e fortalecer a autoconfiança do paciente, enfatizam suas fragilidades, retraçando sempre o foco para o que ainda não foi superado.

Pequenos deslizes do paciente são amplificados como prova de que “ainda há muito a tratar”. Com isso, mesmo após meses ou anos de psicoterapia, o indivíduo se percebe tão ou mais inseguro do que no início – convencido de que não está pronto para enfrentar a vida.

Essa sabotagem da autoconfiança geralmente é sutil. Por exemplo, o psicoterapeuta reage com preocupação exagerada quando o paciente menciona a possibilidade de pausar as sessões, ou questiona decisões que o paciente toma por conta própria, sem consultá-lo.

Cria-se uma narrativa de que o mundo lá fora é hostil demais e que só sob a asa protetora do profissional o paciente estará seguro. Dúvidas naturais são patologizadas; reações emocionais comuns, interpretadas como sinais de que o tratamento deve continuar.

Em suma, o psicoterapeuta se torna o oráculo indispensável para validar cada passo do paciente. O profissional movido por interesse próprio mina a segurança alheia deliberadamente, pois um paciente confiante demais poderia dar alta a si mesmo – o que não convém a quem lucra com a continuidade.

Esse tipo de psicoterapeuta deliberadamente abala a autoestima do paciente para manter a dependência​ O paciente, já fragilizado por seus problemas originais, passa a carregar também a dúvida: “E se eu piorar sem meu terapeuta?”. O medo alimentado é a corrente que o prende, e cada crise de insegurança rende mais algumas sessões pagas.

Pergunta para refletir:
Seu psicoterapeuta celebra suas conquistas ou foca constantemente no que ainda está errado em você?


Interesse financeiro acima de tudo

Por trás de todas essas manobras costuma estar o vil metal. A cada semana adicionada de psicoterapia desnecessária, o faturamento do profissional cresce. Alguns infelizmente veem em pacientes de longa data uma fonte garantida de renda, transformando sofrimento em assinatura recorrente.

O mercenário da psicoterapia fará de tudo para evitar a alta: jamais sugere espaçar os encontros, muito menos terminá-los. Pelo contrário, cria novas “necessidades” de atendimento – indicando, por exemplo, que seria “bom” começar a tratar um assunto completamente novo, não urgente, só para prolongar as sessões.

Essa conduta antiética explora a confiança e vulnerabilidade de quem busca ajuda, convertendo a relação de cuidado em uma relação comercial disfarçada. Quando um profissional ignora esses princípios, o consultório vira balcão de negócios – e o sofrimento do paciente, moeda de troca.

Pergunta para refletir:
Seu psicoterapeuta parece mais preocupado com seu bem-estar ou com a manutenção das sessões?


Narcisismo profissional e poder

Nem só de dinheiro vive a psicoterapia sem fim; muitas vezes ela é alimentada também pelo narcisismo do psicoterapeuta. Alguns profissionais sentem-se envaidecidos em ser necessários, quase endeusados por pacientes dependentes.

Eles gostam de se ver como salvadores insubstituíveis, alimentando o próprio ego a cada demonstração de devoção do paciente. Trata-se de psicólogos que entraram na profissão pelas razões erradas: buscam em clientes vulneráveis fontes de admiração, poder e validação pessoal​.

Cada paciente eternamente fiel funciona como um espelho que reflete o quão “importante” e competente é o psicoterapeuta – uma fonte de suprimento narcisista para seu ego.

Esses psicoterapeutas narcisistas se escondem sob uma máscara de altruísmo, mas nos bastidores saboreiam o controle que exercem. A dinâmica é perversa: quanto mais frágil e submisso o paciente, mais inflado o sentimento de poder.

Não raro, eles abusam da autoridade profissional para manipular – seja invalidando sentimentos, seja menosprezando outras fontes de ajuda, de modo que o paciente acredite que somente ali será compreendido.

Qualquer ameaça ao vínculo (como a possibilidade de término) é vista quase como traição pessoal contra o psicoterapeuta. Com isso, perpetuam um ciclo de dependência que atende às suas necessidades egóicas, não às do paciente.

Como descreve a literatura sobre o tema, esses profissionais são “lobos em pele de cordeiro”, simulando empatia enquanto usufruem do poder e controle sobre clientes fragilizados​.

No fundo, a melhora real do paciente nem lhes interessa – pois a recuperação completa significaria perder admiração e autoridade.

Pergunta para refletir:
Você sente que seu psicoterapeuta quer vê-lo forte e independente — ou o faz acreditar que precisa dele para sempre?


Perguntas úteis

Pergunta de autoavaliaçãoO que a resposta pode indicar
Você sabe exatamente quais eram seus objetivos ao começar a psicoterapia?Se não souber, há falta de direção — sinal de prolongamento intencional.
Seu psicoterapeuta revisa o progresso e sugere possibilidade de alta?Se nunca fala em alta, está intencionalmente adiando o fim.
Você sente que está mais forte e autônomo ou cada vez mais dependente do psicoterapeuta?Se a dependência cresce, é sinal de psicoterapia antiética.
O psicoterapeuta comemora suas conquistas ou foca sempre nas suas falhas?Se apenas enfatiza falhas, reforça a necessidade eterna da psicoterapia.
Você já se sentiu culpado ou inseguro só de cogitar parar a psicoterapia?Sentir culpa ou medo é sintoma de aprisionamento emocional.
Você tem liberdade para questionar o andamento do tratamento ou sente receio de desagradar o psicoterapeuta?Se há medo ou constrangimento, o vínculo psicoterapêutico é disfuncional.
O psicoterapeuta sugere novos problemas a tratar sempre que você resolve uma questão?“Invenção” constante de novos temas é uma estratégia para prolongar o processo.
O psicoterapeuta já te incentivou a espaçar as sessões ou a caminhar sem ele?Psicoterapeutas éticos preparam para a autonomia e sugerem espaçar sessões naturalmente.

Palavras finais

Em essência, psicoterapia é ferramenta de liberdade. Se transformada em psicoterapia infinita, perde sua razão de ser. Ninguém procura ajuda para permanecer dependente; busca‑se compreender, reorganizar, seguir adiante.

Por isso, tanto pacientes quanto profissionais precisam cultivar a cultura da alta, reconhecendo o momento de celebrar conquistas e encerrar o ciclo.

Uma psicoterapia que nunca se encerra equivale a prisão sutil. Questionar esse modelo é ato de autocuidado. Exija metas, solicite revisões, converse abertamente sobre alta. Se houver resistência infundada, considere uma segunda opinião.

A verdadeira conquista psicoterapêutica ocorre quando você, emancipado, olha para trás e percebe que o consultório foi ponte, não moradia.

Promover alta responsável não diminui a psicoterapia; ao contrário, fortalece sua reputação e aprofunda a confiança social na prática clínica. O futuro da profissão está em processos que libertam, não que aprisionem.

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